Essa semana passei 5 dias na Romênia. Foi um destino que caiu por acaso no meu itinerário. Eu estava em Roma e buscando passagens aéreas baratas saindo de lá. A mais em conta era para Bucareste, capital da Romênia (paguei só 17 dólares, sendo que antes estava custando inacreditáveis 8 dólares). Pesquisei na internet, vi que a cidade tinha uma noite bem animada, li rapidinho sobre a famosa Transilvânia e nem pensei mais. Idealizei um castelo do Drácula imaginário e comprei a passagem.
Chegando a Bucareste pela manhã foi bem tranquilo. Peguei um bus para a praça principal e de lá parei no Starbucks pra usar internet e encontrar onde ficava meu hostel (me hospedei no Pura Vida Hostel & Sky Bar, super bem localizado). E no dia seguinte à tarde segui viagem de trem para Brasov, meu primeiro destino na Transilvânia.
Minha primeira surpresa (negativa) foi lá. Desci na estação de trem de Brasov às 19h, já à noite, e dei de cara com moradores de rua e muita gente pedindo dinheiro. Foi a primeira vez nessa viagem de meses pela Europa que não me senti segura (antes da Romênia passei por Espanha, Grécia, Albânia, Montenegro, Croácia, Áustria, Alemanha, Bósnia e Herzegovina, Eslovênia e Itália). Umas pessoas começaram a olhar pra câmera no meu pescoço, então dei um jeito de escondê-la dentro do meu casaco, que foi fechado até o pescoço – a Romênia é um dos países mais pobres da União Europeia.
Fui lá pra fora pedir informação e, sei lá, não me senti à vontade pra pegar um taxi ali sozinha e à noite. Eu sabia que o hostel era bem pertinho e meu medo não era o taxista fazer um percurso maior pra me cobrar uma corrida mais cara (a Romênia é um país muito barato!). Meu pânico era entrar sozinha, à noite, num taxi, num lugar meio esquisito, com uma pessoa que talvez não falasse minha língua. Eu até que me viro muito bem com essas coisas. Mas sou mulher, gente. É foda, eu queria poder simplesmente pegar o taxi e ir pro hostel. Mas, repito, eu sou mulher. E sou mulher viajando sozinha num país desconhecido. Não dá pra se arriscar de bobeira.
Vi uma movimentação grande no ponto de ônibus, então fui pra lá. Parei uma senhora, perguntei em inglês sobre o ticket de ônibus e ela chamou o filho pra falar comigo. O menino foi comigo até a bilheteria, falou qualquer coisa em romeno com a atendente, se virou pra mim e disse “Ela não tem mais ticket de ônibus pra vender”. Oi!?!?! Meu queixo foi no chão e voltou. P-u-t-a-q-u-e-o-p-a-r-i-u isso não pode ser verdade. Comecei a pensar o que eu faria. O menino virou pra mim, com uma cara meio de cúmplice, e falou “Ah, pega o ônibus mesmo assim”.
Eu correria o risco amarradona. Mas ali naquele canto da Romênia eu não me senti à vontade. Era trocar um risco por outro. Mas não vi outra opção, aquele risco ali era, definitivamente, menos arriscado. Eu fui. Entrei no busão, sentei lá atrás, conferi o endereço no celular, o ônibus deu partida, mal saiu da estação de trem, não se passaram 2 minutos e um homem veio até mim e pediu “Your bus ticket!” (Seu bilhete de ônibus!). Meeeeeerdaaaaaaaa. Levantei e contei minha história triste pra ele. Ele deu de ombros e repetiu. “Your bus ticket”. Repeti tudo de novo. “Senhor, você não está entendendo que eu tentei comprar, mas não tinham pra vender e me indicaram pegar o ônibus mesmo assim. Eu tinha o dinheiro. E eu tinha que pegar o ônibus, não podia ficar na estação pra sempre”. Ele deu de ombros de novo. E dessa vez começou a gritar. “Você não está respeitando o meu país! De onde você é? Me dá seu passaporte. Você tem que respeitar meu país!”. Não dei meu passaporte, falei que não ia pagar, todo mundo do ônibus começou a olhar pra gente, uma mulher veio tentar intervir, enfim, foi babado e confusão. No final saí de lá chorando de raiva daquele homem e, claro, paguei o que ele estava me cobrando.
Aí já começam os pensamentos de “O quê que eu vim fazer nesse fim de mundo, pra que eu inventei de vir sozinha pra Transilvânia, já comecei mal, só quero ir pra casa”. Andei até a porta do meu hostel xingando todas as gerações daquele fiscal grosseiro (olha como eu sou educada, aqui no blog só o chamei de grosseiro, mas vocês não imaginam todas as palavrinhas nada bonitas que passaram pela minha cabeça naquele dia). Cheguei no hostel (me hospedei no ótimo Centrum House Hostel), fiz check in e conheci uma galera gente boa (um menino dos Estados Unidos, um da Itália e um da própria Romênia). Saímos pra tomar uma cerveja no bar embaixo do hostel pra bater papo. E tudo se acalmou. Não precisei de mais que dez minutos. Caí de amores por Brasov.
Dois dias depois foi a vez de começar meu longo itinerário até Belgrado, capital da Sérvia. Antes eu tinha apenas olhado no Google Maps a distância entre uma região e outra e decidi que aquele seria meu próximo destino. Fechei até hostel em Belgrado, super empolgada. Só que, na prática, eu ainda não sabia que não havia bus/trem direto entre qualquer lugar da Romênia e Belgrado. Comecei a quebrar cabeça vendo qual seria a melhor maneira de chegar lá. Não havia “melhor maneira”. Havia um trajeto sem fim que eu teria que encarar. Decidi fazer essa loucura à noite para ir dormindo e não perder um dia inteiro em trens. Garotas viajando sozinhas: não façam isso! Pessoas menos aventureiras, isso também não é indicado para vocês.
Bom, comecei pegando uma van de manhã de Brasov para Sibiu com dois amigos que fiz no meu hostel (o americano da cerveja embaixo do hostel e uma brasileira super querida que também estava perdida pela Transilvânia!). Passamos o dia lá e à noite os dois voltaram para Brasov e eu fiquei na estação para pegar meu trem que sairia às 22h54. Meu itinerário de trem seria: Sibiu x Simeria x Timisoara x Vrsac x Belgrado. Tudo dando certo, eu chegaria a Belgrado por volta de 11h da manhã.
…Mas claro que não deu!
Eu ia ficar três horas sozinha na estação de trem de Sibiu esperando dar 22h54. Mas a última coisa que eu estava lá era sozinha. Acho que todos os moradores de rua da cidade foram dormir dentro da estação naquela noite (estava muito frio do lado de fora, tipo uns 4 graus). E um deles já tinha vindo até mim umas três vezes, falava comigo em romeno e saía. Todo o resto nem percebia minha presença ali. Quando cansei, fui falar com a moça da bilheteria. Perguntei se ela achava seguro eu ficar ali dentro da estação sozinha esperando meu trem. Ela fez uma cara de “Hmmm, eu não ficaria”. Perguntou que horas era meu trem, respondi que seria às 22h54, ela olhou no relógio, pensou… e falou “Vem ficar comigo aqui dentro!”. Chamo essas pessoas boas que aparecem pelo meu caminho de Anjos da Viagem, sempre me salvando das roubadas. Eu fui, fiquei lá sentadinha recarregando meu celular e usando internet. Aí deu uma meia hora, ela virou pra mim e falou “Más notícias. Seu trem vai atrasar em uma hora!”.
Meeeeeerdaaaaaaaa. Minha saga ainda nem tinha começado e já ferrou com meu itinerário inteiro. Certamente eu ia perder o trem seguinte em Simeria e sabe-se lá o que ia ser do resto da minha viagem. Ok, invoquei o Buda que existe dentro de mim e deixei a vida me levar. Entrar em pânico não ia dar em nada e não ia me fazer surgir em Belgrado em segundos como numa máquina do tempo. Sem máquina do tempo, o tempo passou devagar. O trem chegou atrasado, entrei, coloquei meu alarme pra despertar às 3h30 (horário em que, teoricamente, eu deveria trocar de trem em Simeria), me aconcheguei em duas poltronas e apaguei.
Quando meu alarme tocou, peguei meu celular pra conferir no mapa onde eu estava (eu uso o app chamado Maps.me, que você pode acessar sem precisar de internet). Parecia estar pertinho de Simeria. Puxei papo com duas senhorinhas que estavam nas poltronas do lado perguntando se estávamos chegando lá. Elas não falavam inglês, mas se esforçaram muito em me ajudar falando sem parar em romeno. Não entendi bulhufas. O trem parou na estação, desci e tudo o que eu vi foi uma escuridão sem fim, um deserto de almas e um banquinho que parecia ser a estação de trem da cidade. “Ok, uma típica viagem pela Transylvania”. Eram quase 4h da madrugada e só teria eu ali. Ah, e eu tinha perdido meu trem pra Timisoara, que passou às 3h30. Não fazia ideia de que horas passaria o próximo. Meeeeeeerdaaaaaaaaa.
Voltei pro trem anterior, larguei meu mochilão com as senhorinhas e comecei a percorrer todos os vagões buscando alguém que falasse inglês. Encontrei uma moça, que me aconselhou a não ficar ali, mas ir até Arad e de lá pegar o trem pra Timisoara (seria minha última cidade na Romênia antes da Sérvia). Consegui confirmar com um funcionário do trem se era possível fazer aquilo. Ele disse que sim. Voltei pra minha poltrona, coloquei o despertador para 6h15 e dormi de novo.
6h15. Chegamos a Arad. Desci, estava meio escuro ainda. Parei um menino, perguntei como eu atravessava os trilhos para ir até a estação de trem, ele não falava inglês, olhei pros lados, achei uma escadaria, vi uma conexão dessa escadaria com a estação e me mandei pra lá. Comecei a subir, ouvi uns passos atrás de mim e vi que o menino tinha vindo também. Cara, eu virei pra trás que nem uma leoa. Mandei bem alto pra ele: “Qual foi, meu irmão???????”. Ele ficou tão apavorado que acho que no final das contas ele ficou com muito mais medo de mim que eu dele.
A escadaria dava em um galpão meio escuro e em construção. Andei lá catando uma saída e nada. E o menino me seguindo, completamente perdido também. Desci uma das escadas e, por fim, achei o caminho até a estação. E o menino atrás de mim. Fui até a bilheteria, com o menino parado ao meu lado, perguntei sobre o trem pra Timisoara e a moça respondeu “Sai em 5 minutos. Corre!!!”. Saí correndo igual uma louca de mochilão nas costas e no meio do caminho dei de cara com as senhorinhas que só falavam romeno. Uma delas me parou e começou a me abraçar. Acho que ela ficou feliz de saber que eu ainda estava viva, sei lá. Ela me abraçava forte e falava em romeno. Eu só respondia “Thank you”, sem saber exatamente o que eu estava agradecendo. Ah, os anjos das viagens! E o menino parado do meu lado. Ela se virou pra ele, falou alguma coisa apontando pra mim. Eu interpretei como “Cuida dela”, ou qualquer coisa do tipo. Não pude ficar ali esperando, ia perder o trem. Dei tchau e saí correndo, e o menino correndo do meu lado na mesma velocidade que eu. Entrei no trem e nunca mais vi o tal menino.
De Timisoara meu próximo destino era Vrsac, minha primeira cidade na Sérvia. Esse foi moleza. Cheguei na estação de Timisoara e só troquei de trem, em menos de dez minutos partimos. A essa altura eu estava indo bem no meu itinerário e parecia que eu ia chegar a Vrsac a tempo de pegar meu tão sonhado trem pra Belgrado. Passei pela imigração entre os dois países e mostrei meu passaporte italiano (tenho dupla cidadania e o passaporte europeu é uma mão na roda pra viajar por aqui). Cheguei a Vrsac e fui direto na bilheteria. Eram 10h30 da manhã. A moça, bem mal humorada, respondeu que o trem seguinte pra Belgrado sairia às 14h. Meu mundo caiu! Meeeeerdaaaaaaa.
Ao contrário das estações de trem da Romênia, sempre com moradores de rua, ali eu era a única alma viva do lugar. E o primeiro choque no novo país: a estação de trem não tinha WiFi (todas as estações de trem da Romênia tinham WiFi liberado!). “Ok, eu posso sobreviver a isso”. Fui andando até o supermercado próximo, comprei comida, troquei dinheiro, saí pra fotografar o entorno da estação, voltei, revi minhas fotos da viagem, tirei mais fotos da estação, comi de novo, fiquei brincando com um cachorrinho de rua, revi fotos do celular. Olhei o relógio. 11h30. “Cara, essa espera vai ser eterna”.
Um policial da fronteira veio falar comigo. Perguntou por que eu estava ali. Respondi que eu estava esperando meu trem. Ele perguntou de volta que horas seria o trem. Respondi. Ele olhou em volta, ninguém mais na estação. E um frio do cão. Ele respondeu “Bom, ainda falta muito pro seu trem. Se você quiser entrar pra tomar um café e sair do frio, pode entrar”. Pensei dez vezes. Não, acho que pensei vinte vezes. Usei todo o meu feeling para pessoas (já falei por aqui, costumo atrair pessoas boas pra perto de mim e não me dar bem com pessoas que não são “legais”, é algo natural). Mas e o medo desse feeling falhar logo agora?!
Por fim eu fui. Eles me serviram um café e perguntaram de onde eu era. Respondi calmamente “Rio de Janeiro”. Cara fechada de espanto. O policial na mesma hora retrucou super sério “A senhorita me deu um passaporte da Itália”. Ai, meeeeeerdaaaaaaaaaa. Expliquei a história, falei que nasci no Brasil, mas meu bisavô era italiano, tenho as duas cidadanias, aqui é mais fácil viajar com o passaporte europeu e blá blá blá. Antes de eu começar a achar que seria presa ou sei lá o quê, o climão foi quebrado quando o outro policial falou num inglês mais enxuto “Brasil! Flamengo! Petkovic!”. Ahahaha, valeeeeeeeeu Pet! Eu nem lembrava que você era da Sérvia! Me salvou e isso mudou o clima da conversa. Eles também falaram do BOPE, disseram que tinham grande admiração pela corporação. Enfim, ir lá tomar um café foi a melhor coisa que eu fiz. Fiquei lá vendo TV – em sérvio, mas ao menos era mais interessante que ficar admirando a parede velha da estação. A hora passou mais rápido. Quando olhei meu relógio e vi que eram 13h30, me despedi, agradeci e fui lá pra fora.
Estava sozinha esperando quando um senhor veio falar comigo. Começou a falar em sérvio, respondi em inglês. Silêncio. Ele apontou pra mim, apontou pro trem e perguntou “Belgrado?!”. Fiz que sim com a cabeça e devolvi a pergunta pra ele. “Belgrado?!”. Ele fez que sim e começou a apontar pro punho dele, querendo dizer algo relacionado ao horário. Olhei meu relógio e vi que eram 14h01. Mostrei pra ele a hora e falei “Pode estar atrasado!”. Ele olhou meu celular e arregalou o olho. Começou a falar em sérvio, fazer sinal de “não” com o dedo, chamou outro cara, o cara me mostrou a tela do celular dele. Estava dando 13h01. Minha cabeça virou um turbilhão e consegui entender o que ele dizia: o fuso na Sérvia era diferente, eu tinha que atrasar meu celular em uma hora. E esperar MAIS uma hora pelo meu querido trem.
Meeeeeeeeerdaaaaaaa. Bom, a essa altura qualquer notícia ruim já não era mais surpresa. Invoquei o Buda novamente, banquei a Zen, não deixei que nada tirasse meu bom humor e esperei. Esperei e o trem veio. Entrei nele, ele era meio sujo, mas confortável. Tudo bem, eu só queria chegar a Belgrado. E eu cheguei. E fui direto tomar uma cerveja. E jantei num restaurante super legal. E fiquei num hostel ótimo. E amei a cidade! Mas, foi mal, isso já é papo pra outro post… 😛
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Bom, se mesmo depois de contar toda a minha aventura pra atravessar de trem da Romênia até a Sérvia, você ainda quiser fazer o mesmo, aí vão umas dicas básicas:
– não confie nos horários de trem mostrados no site, muitas vezes eles eram diferentes dos horários reais. Se possível, vá até a estação conferir
– o aspecto das estações de trem de dia é completamente diferente à noite. De dia me senti super segura. À noite a parada ficava meio esquisita
– em todas as estações de trem da Romênia havia WiFi gratuito. Já na Sérvia não tinha WiFi nem na estação principal de Belgrado.
– você precisa ficar de olho em qual estação deve descer. Não há nenhum aviso sonoro de que você chegou à estação X. Minha solução foi verificar a que horas estava agendado pra chegar ao meu destino final e programar o alarme do meu celular pra tocar uns 20 minutos antes. A partir daí eu ficava de olho no percurso do trem e no mapa do aplicativo Maps.me (que comentei aí em cima)
– não importa quantas horas sua viagem vai durar, eles não param para você comprar comida ou água. Se prepare e leve um lanchinho e algo para beber caso sua viagem seja longa como a minha. Há banheiro nos trens.
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E boa sorte, galera! Programem direitinho suas viagens, invoquem o buda que existe dentro de vocês quando algo der errado e confiem nos anjos das viagens. Vai por mim, no fim tudo dá certo 😀
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