Essa manhã eu acordei com o calor… Estava embaixo do cobertor e sentia meu pescoço suando. Abri os olhos pra ver a hora no celular, e por uns segundos não reconheci onde eu estava. Tudo era de madeira, não havia janelas, mas muitos galhos e folhas. “Nossa, é verdade, eu estou dormindo na casa na árvore!”.
Desci para encontrar minha amiga, a Paty, e ela já estava na mesa do café da manhã junto com a Marleen. Me juntei a elas para minha primeira refeição do dia. Frutas frescas, iogurte, granola, um prato quente super requintado com ovos, batata e cogumelos, chá.
Depois da refeição eu e Paty fomos para nosso quarto arrumar nossa mala para ir embora. Tomamos um banho e começamos a empacotar tudo. Foi quando ela me chamou “Corre aqui na janela, parece que uns elefantes vieram se despedir da gente”. Corri e havia uns 15 deles se banhando no olho d’água em frente ao nosso quarto.
Largamos tudo que estávamos fazendo e nos sentamos para observar. Eles não ficaram ali nem 15 minutos – tempo suficiente para nós duas fazermos, em silêncio, uma retrospectiva mental de tudo que havíamos vivido naqueles últimos dias. E de repente, em plena época de seca nessa região, ouvimos umas trovoadas que espantaram os animais.
Quando eles saíram correndo, nos viramos para colocar nossas pesadas mochilas nas costas. Mas aquele peso todo não se comparava ao de deixar aquele lugar para trás. Estávamos tentando buscar motivos pra não precisar sair do quarto. Demos mais uma espiadinha pela janela para ver se mais algum animal selvagem veio nos dar um até logo. Nada. Não tivemos escolha, era hora de ir embora.
Voltamos para a recepção, comemos um delicioso e rápido sanduíche e foi hora de pegar estrada. “Cadê o Khaya e a Thandenka para nos despedirmos deles?”, perguntei já emocionada. Eles estavam dormindo. “Desculpa, meninas, achamos melhor assim, ia ser doloroso demais para eles dar esse adeus”, se explicou a Marleen.
Quando subimos na caminhonete, a Marleen se aproximou para nos abraçar dizendo que não poderia nos acompanhar, somente o Brian iria nos levar até nosso ônibus para Bulawayo.
Fomos pegas tão de surpresa e demos um abraço tão rápido nela, que escondia os olhos marejados de lágrimas, que nos esquecemos da foto que queríamos tirar com toda a família reunida.
A caminhonete partiu e não pude conter o choro por todo o caminho, sentada na parte externa da caminhonete sentindo uma leve chuva e observando os animais pelo caminho que vinham ali somente para reforçar o quanto aquele cantinho do Zimbábue seria inesquecível em nossas vidas…
Nós chegamos no Sable Sands num sábado de manhã cedo. Li sobre esse lodge no TripAdvisor e fiquei logo curiosa para conhecer esse lugar que todos elogiavam tanto.
O Zimbábue estava sendo uma grande surpresa, um lugar que resolvi visitar sem grandes expectativas, e por isso mesmo eu nem sabia o que esperar desse lodge localizado ao lado do Hwange National Park, o que tem a maior população de elefantes de TODA a África.
Fomos de Victoria Falls até a estrada do parque num ônibus local, de onde o Brian, proprietário do Sable Sands e marido da Marleen, foi nos buscar.
Ele chegou de caminhonete com uma criança linda e tímida ao seu lado. Nos cumprimentamos, agradecemos a gentileza dele ir nos buscar, e subimos na caminhonete. A criança linda era Khaya, filho do casal que no início se fazia de tímido, mas que não pensou duas vezes em abandonar o banco ao lado do pai para seguir estrada comigo e com a Paty na carroceria.
Quando chegamos ao Sable Sands, uma paz tomou conta do meu espírito quando fomos recepcionados e nos sentamos em um dos sofás da recepção para conversar um pouco. Ali fui apresentada à Marleen e à Thandeka – a Marleen uma holandesa que escolheu o Zimbábue como seu lar, a Thandeka mais uma filha do casal.
Eu não gosto muito de me mostrar frágil em relação a sentimentos, em especial quando não sei nem explicar por que estou me sentindo tão fragilizada. Então naquelas duas horas que passamos ali tomando chá e conversando, por muitas vezes eu prendi o choro e disfarcei o olhar marejado.
A Marleen veio para o Zimbábue depois de vender seu estrelado restaurante, onde era necessário fazer uma reserva com meses de antecedência. Mas antes de sua vinda à África, ela foi visitar uma amiga nos Estados Unidos. Ela se lembra de quando abriu um biscoito da sorte onde estava escrito “Você está indo em direção à terra do sol, seu futuro está em aberto”. Ela não deu muita importância e jogou o papel na bolsa. Três meses depois ela achou novamente aquele pedacinho de papel esquecido, num inverno frio e úmido. Ela conta que olhou para aquela frase e na mesma hora se deu conta de que, merda!, ela tinha escolhido o lado errado do mundo.
Em dois dias ela comprou uma passagem para Moçambique. E quando ainda estava no avião, prestes a pousar, escreveu em seu diário que iria ficar naquele continente pelo resto de sua vida. Poucas horas em solo foram suficientes para que ela tivesse as certeza daquela afirmativa. Ela começou trabalhando num orfanato em Moçambique, e foi através desse projeto que ela chegou ao Zimbábue. Ela conta que imediatamente foi tocada pela beleza desse país e pelo povo dali. E seu próximo passo foi trabalhar numa agência de turismo em Victoria Falls, no norte do Zimbábue.
Foi quando se aproximou o ano novo, e de Harare, capital do Zimbábue, veio Brian passar uns dias de férias em Victoria Falls. Ele é zimbabuano, e numa festa de amigos conheceu Marleen. E assim os poucos dias que ele teria ido passar em Vic Falls se transformaram em semanas, e em 2008 eles se casaram. Na sequência foram chamados a trabalhar num lodge em uma região mais afastada e deserta do Zimbábue, próximo ao Hwange National Park. Foram juntos e, após algum tempo, o estabelecimento foi fechado. Eles viram ali a oportunidade de comprar parte daquela propriedade, que depois foi renomeada para Sable Sands.
Muito do que se vê ali foi levantado por eles, em obras feitas com suas próprias mãos. Marleen conta que no início olhava em volta e via animais, mata, não havia eletricidade. E ela pensava “que loucura nós fizemos!”. Nesse meio tempo eles adotaram Khaya e Thandeka, e começaram a criá-los ali, em meio à selva.
Hoje o Sable Sands é a prova viva de todo esse amor e cada pedacinho transparece essa linda história de vida dos quatro. A essa altura você já imagina por que eu me emocionei tanto em conhecê-los e ouvir todo esse relato…
Após as conversas, foi a hora de levar nossas mochilas para nosso quarto. Palavras não vão descrever este lugar. Cada quarto fica numa “oca” particular. O meu tinha uma janela enorme de frente para um olho d´água onde os animais vêm se refrescar. Aqui não há eletricidade, mas pode ter certeza que você não vai sentir falta e que o tempo vai voar por aqui. O Brian e a Marleen cuidam para que todos tenham água quente para tomar banho {isso quando os elefantes não descobrem os encanamentos e os quebram em busca de água!}. Também há energia solar, então à noite você não ficará no escuro em seu quarto.
Me lembro que quando eu e Paty olhamos pela janela, vimos várias zebras. Resolvemos chegar mais perto para tirar umas fotos. E nos lembramos dos conselhos da Marleen “não passem daquelas árvores ali. Se vocês andarem apenas até elas, terão tempo hábil para voltar para seu quarto em segurança caso outro animal apareça”. Demos uma olhadinha em volta, silêncio absoluto. Resolvemos, então, arriscar uns passos mais ousados para chegar mais próximo das zebras. Estávamos indo quietinhas quando, de repente, eu olhei pro lado, agarrei no braço da Paty e só tive tempo de falar “Volta! Tem uma manada enooooorme de elefantes vindo na nossa direção!!!”.
Nosso coração parecia que ia sair da boca. Voltamos rápido para nosso quarto e dali ficamos só da janela observando a magia acontecer. Os elefantes não apenas vieram próximo ao olho d´água. Eles vieram na porta do nosso quarto em busca de alimento nas árvores! Aquilo era tão excitante que nós não conseguíamos falar uma única palavra. Estávamos mudas, perplexas, de queixo literalmente caído.
Nossa recepção no Sable Sands definitivamente não poderia ter sido melhor. Quando os elefantes se afastaram, saímos do nosso quarto e fomos andando em direção à recepção do hotel. Eles também oferecem safáris de carros ou a cavalo. Mas, sinceramente, quem precisava fazer um safári em meio a tudo aquilo ali?
Foram três dias de uma rotina basicamente assim. Acordávamos, brincávamos com a Thandeka e o Khaya, comíamos, observávamos inúmeros animais, conversávamos com a Marleen e o Brian sobre a vida, brincávamos mais um pouco com as crianças, tirávamos fotos, jantávamos, dormíamos cedo.
Pela experiência da Marleen na cozinha, já se pode imaginar que a comida servida no Sable Sands é de comer de joelhos, certo!? E é mesmo. Tudo é muito requintado e extremamente saboroso.
Mas o jantar imbatível foi numa noite em que estávamos sentados à beira de uma fogueira, tomando vinho sob luz de velas, e começamos a ouvir barulhos de elefantes próximos de nós.
Num lugar onde não há eletricidade, isso pode ser um pouco agoniante, mas a adrenalina de viver isso é inexplicável. Peguei a lanterna do celular e tentei iluminar alguma coisa. Vi uns poucos elefantes a uns 15 metros de nós. A mesa toda ficou em silêncio. Ninguém se mexia. E aqueles bichões lindos se alimentando nas árvores à nossa frente. Eu esqueci da comida. Esqueci até do vinho! Fiquei hipnotizada por aquela cena.
Foi quando um deles veio andando em nossa direção. Veio, e veio, e veio. Bem pertinho. Chegou a uns 3 metros de distância. Olhou para nós, se alimentou de uma das árvores por alguns segundos, e depois foi embora. Eu nunca mais vou esquecer disso na minha vida. Falando assim pode parecer aterrorizante, mas quando você está vivendo aquilo ali no habitat deles, você passa a entender que você não é mais uma ameaça, mas parte do meio. Você vira apenas mais um animal ali naquela floresta. E o medo dá lugar a um entendimento muito maior sobre como funciona a natureza.
Em nossa última noite, a Marleen sugeriu “Não querem aproveitar que vocês já vão embora para dormir em nossa casa na árvore???”. Nem pensamos duas vezes. Sim, queremos! E para lá fomos com lanterna e repelente, ansiosas se algum elefante viria em nossa árvore se alimentar. Dormimos ao som de hienas, muitas! Viramos naquela noite parte da natureza selvagem.
E quando acordamos, foi hora de ir embora de um dos lugares mais especiais onde já estive na vida, e que, se você puder, eu recomendo que não perca a oportunidade de visitar.
Sim, eu deixei uma grande parte do meu coração para trás no Zimbábue…
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