“Já peguei carona com uma senhora de 61 anos que tinha acabado de sair do último dia de trabalho pra se aposentar. Até segurei o buquê de flores que os colegas de trabalho tinham dado pra ela de despedida. Obs.: a gente só cruzou com ela porque ela estava tão feliz, que tinha se perdido na volta pra casa Hahaha”.
Essa não foi a única história que o Lucas me contou das caronas dele viajando pelo Reino Unido. Brasileiro e paulistano, ele hoje em dia mora na Inglaterra pelo Ciências sem Fronteiras e começou a viajar de carona por causa de um projeto de sua universidade inglesa onde ele e os amigos tinham que levantar fundos para uma caridade e a motivação era ir de Sheffield, cidade onde ele vive, até Glasgow , na Escócia, em 24 horas e pegando só carona.
Só que o Lucas não se deu tão bem aí – tanto é que precisou pegar um trem no final para conseguir chegar ao seu destino com sucesso e dentro do prazo. Mas essa aventura foi um aprendizado tão grande, que ele curtiu e acabou sendo o pontapé inicial para ele querer rodar por aí viajando apenas no dedão. E ele já começou pela Inglaterra – segundo ele, a Europa é O lugar para aprender a pegar caronas, pois é mais seguro e tem muita gente que fez isso quando jovem, e quer retribuir agora que tem carro.
Nessas viagens rolou também uma carona que ele e os amigos pegaram com um cara que estava indo escondido do chefe pra outra cidade pra fazer uma entrevista de emprego, dando a desculpa que ia jantar com o irmão – mas na verdade estava querendo se demitir do trabalho. E também teve perrengão! Tipo quando tiveram que fazer hitchhiking embaixo de chuva. Nesse dia a tinta do papelão onde ele anotava para onde queria carona apagou. Ele tentou escrever em outro papelão, mas a caneta molhou e ele não conseguia mais escrever a placa com o destino. Eles ficaram 1h30 na chuva nesse dia esperando por carona.
Depois de alguns perrengues e muita história boa para contar, ele compartilhou informalmente o que vou chamar de “Manual de Sobrevivência para Caroneiros” num grupo que a gente participa no Facebook. Como ele mesmo disse, depois de quebrar a cara algumas vezes, ele finalmente aprendeu a arte de pegar caronas. Eu curti tanto (viajar de carona também tem tem rondado meus pensamentos), que pedi a ele para publicar aqui. Ele topou e aqui vai, transcrito na íntegra da maneira como ele postou lá no grupo. Tenho certeza que vai ser útil para uma galera de marinheiros, digo, caroneiros de primeira viagem.
PEGANDO CARONAS NA ESTRADA: O MANUAL
1| PRIMEIRO PASSO: HITCHWIKI
Seu melhor amigo pra começar a pensar em como pegar a carona é o hitchwiki.org. Esse é um site crowdsourcing tipo Wikipedia em que as pessoas dividem experiências sobre caronas. Funciona assim: você digita o lugar de origem e ele dá uma página com os pontos exatos onde você tem que ficar na cidade pra conseguir pegar a carona pra direção que você precisa.
2| PLANEJANDO A ROTA
Agora que você sabe alguns pontos onde ficar, veja quais são as rotas possíveis partindo da sua cidade até o lugar que você quer ir. leve em consideração algumas coisas:
— dê preferência a rotas partindo de pontos que você tenha encontrado informações no Hitchwiki.
— se a rota for grande e passar por outras cidades no meio, divida o caminho em partes e mire pra primeira cidade grande que tiver na rota.
— sabendo disso, dê preferência a rotas que sejam o menos quebradas possível. Mesmo que distantes, se duas cidades não tiverem muitos outros pontos interessantes entre elas, sempre vai ter gente indo de uma pra outra.
— não importa muito qual a hierarquia da via que liga uma cidade a outra (rua, avenida, rodovia, estrada), mas fica a curiosidade: quanto mais local a via, mais fácil a carona, mas menor a distância que você vai conseguir percorrer. Quanto mais rodovia, mais difícil, mas também quando consegue você vai pra pqp.
— se o ponto que você vai ficar pra pegar carona pode também te levar a outras rotas que não a que você planejou, tente pelo menos saber um pouco dessas outras rotas pra dizer ao motorista onde você gostaria de parar. Normalmente os motoristas ajudam bastante sobre onde te soltar pra você conseguir sua próxima carona.
3| PLANEJANDO O PONTO E SE POSICIONANDO
Agora que você sabe a rota, fica uma observação: ela pode mudar! Tudo vai depender de onde sua carona pode te levar. Portanto, sua rota é flexível sim! Mas agora que você sabe onde ela vai começar, algumas dicas de como se posicionar, dado que o ponto que o Hitchwiki dá pode ser um ponto mesmo (esquina, em frente a um estabelecimento etc.) ou uma rua (que tem duas dimensões…):
— procure um lugar com visibilidade: em que o motorista tenha tempo de te ver, ler sua placa e decidir se vai te dar a carona.
— procure um lugar com acessibilidade: o motorista tem que ter um lugar pra parar (“pull over” in english) sem atrapalhar o trânsito, senão ele vai tacar o foda-se. Procure por: acostamentos, pontos de ônibus, postos de gasolina, ruas largas ou com possibilidade qualquer de parar o carro.
— procure um lugar em que o público é o mais específico possível. ou seja, onde boa parte de quem passa vai pro lugar que você quer.
— procure um lugar movimentado. Quanto mais carro, mais chance!
— estações de serviço na estrada são lugares ótimos. Você pode abordar as pessoas (vale sempre a regra: don’t ask don’t get) e você tem mais tempo de trocar uma ideia e ver se a rota que elas propuseram serve.
— nunca entre pro centro da cidade. Hitchhiking é sempre pelas bordas das cidades. Dentro das cidades tem muito trânsito local, isso infringe a dica de público específico acima.
4| SINALIZANDO
Como eu digo pra onde quero ir?
— se a via for bastante local, às vezes só levantar um dedão e um sorriso que é o suficiente.
— se houver mais possibilidades de destino partindo da sua origem, leve uma placa! E por favor escreva GRANDE pra dar pros motoristas lerem. O tamanho das letras tem que ser diretamente proporcional à velocidade da via.
— se você dividiu a rota em partes, levante duas placas: (1) a placa da próxima cidade ou lugar de interesse e (2) a placa do seu destino final. quem sabe alguém consegue já te levar até o final? Don’t ask don’t get.
— use papelão, que é mais resistente a água do que papel, se caso chover. Não escreva sob a chuva que estraga a caneta. E, importante: você consegue papelão em mercados e lojas de posto de gasolina. É só perguntar que sempre tem.
5| CONSEGUI A CARONA! MAS ELA VAI POR OUTRO CAMINHO?
Ótimo! É parte do rolê se adaptar. Por isso converse com o motorista antes e veja as possibilidades e como você faria pra continuar a partir do destino que ele propõe. E uma boa pedir pra parar em estações de serviço em algum ponto que sua rota e a dele ainda não bifurcaram.
6| CONSEGUI A CARONA! COMO ME PORTAR?
Seja persona grata. Puxar conversa, conhecer a pessoa, ouvir as histórias e compartilhar as suas é parte do rolê. O jogo aqui não é de vaca amarela (sdds vaca amarela, que nostalgia foi essa).
7| NÃO FUI COM A CARA DO MOTORISTA
Pode acontecer. Se você sentir alguma coisa estranha no ar, ninguém é obrigado. Fala que está esperando outros amigos chegarem, fala que o destino proposto não serve, finge ser o Bolsonaro. Ninguém quer dar carona pro Bolsonaro.
8| FUI PRO CENTRO, O QUE FAZER?
É, vai ter que sair daí e ir pras bordas da cidade. Andando, de ônibus ou táxi. hitchhiking também pode precisar de algumas ajudas de transporte pago. Não tem essa caga regra de que não foi hitchhiking só porque pegou um onibuzinho pra ir pra um ponto melhor, vai na fé.
9| LEGISLAÇÃO
Consulte a legislação sobre caronas no país que você vai. por exemplo:
— sobre cruzar bordas, se tem rolê.
— sobre onde pode pegar carona e onde não pode. No reino unido, por exemplo, não pode pegar carona nas motorways (as highways daqui, a maior da hierarquia das vias), aí tem que parar ou numa estação de serviço na estrada ou numa via de acesso.
10| O QUE LEVAR
— caneta: pelo amor de inês compra uma caneta piloto preta grossa boa. Ela é sua vida e seu meio de comunicação.
— mapa: google maps pra adaptar suas rotas e entender as possibilidades do motorista ou um mapa impresso (sim, eles ainda existem!).
— papelão. Né?
— capa de chuva.
— no máximo dois amigos, grupos de 3 pessoas no total. Não cabe mais que isso num carro. Quanto mais gente, mais difícil a carona.
— sorriso na cara e descontração! Pode dar certo, pode não dar. Vai saber? É parte da diversão. 🙂
11| SOU MINA, ME SEGURA QUE EU VOU
Muita dor no coração em criar esse sub tópico, mas faço isso com todo o amor possível. Meninas, por favorrrrr, tomem cuidado! A gente vive nesse mundo do jeito que está, e está cheio de gente com segundas intenções por aí. Acho que dá bastante pra conseguir carona numa boa mesmo sendo uma única menina ou um grupo de meninas, desde que sigam o item 7 acima.
Go girls, sem medo de ser feliz! Quando eu e um amigo pedimos carona juntos (vide foto), algumas moças e senhoras se ofereceram pra nos acolher sem medo e com todo o coração, o que me deixa mais seguro de dizer pra vocês tentarem.
Se quiserem conversar mais pra se sentirem mais seguras, comentem seus pensamentos aqui no tópico (pode servir de incentivo pra mais gente!).
E O PRINCIPAL: NÃO DESISTA! SUA PRÓXIMA CARONA PODE ESTAR VIRANDO A ESQUINA PRA TE PEGAR!
E no post que o Lucas abriu no grupo do Facebook, várias outras pessoas contaram seus relatos e deram suas próprias dicas também. Selecionei alguns pra trazer pra cá:
— use roupas com cores mais chamativas ajudavam, tipo vermelho, azul, etc (dica de um menino do grupo).
— troque ideia com os caminhoneiros – eles têm cidades específicas onde eles param e dormem/almoçam, então sempre que pegarem carona com um perguntar sobre esses spots onde é beeeeem mais fácil conseguir carona (dica de uma menina que atravessou metade do Chile de carona com um amigo).
— ser uma mulher desacompanhada nunca foi desvantagem, sempre uma virtude. Ser mulher é sinônimo de confiança e não de vulnerabilidade! Pra mim, hitchhiking é sim uma das melhores formas de viajar pois é baseada em generosidade (dica de uma menina que viajou de carona desacompanhada por 40 dias pela Alemanha, e também na Áustria, Eslovênia e Croácia e num trecho pequeno na Bahia).
— não esqueçam de levar água e alguma comida (principalmente água) e alguma coisa pra ficar aquecido; posto de gasolina nas estradas rápidas (autobahn, highway etc) são bons lugares, dá até pra pegar carona a noite; colocar o sentido que você quer ir ao invés de uma cidade específica às vezes é melhor e também é mais fácil de você negar uma carona se não for com a cara do motorista (claro que vc SEMPRE pode negar uma carona); Hitchwiki MELHOR site e também tem um app pra Android que se chama hitchhiking maps e tem todos os pontos do wh (no app os pontos vermelhos são os melhores, ele tem esse bug, de resto funciona muito bem); e caminhoneiros são nossos amigos, eles só andam mais devagar, mas nada de preconceitos (dica de um menino do grupo).
Que máximo a experiência dele, né?
Sobre esse sub tópico do Lucas com relação a meninas pegarem caronas, eu conversei mais um pouco com ele pelo Facebook. Ele me contou que, apesar de menos comum, havia mulheres pedindo carona por onde ele passou (segundo ele, numa proporção de duas a cada dez pessoas). Mas ele também acha que, pelo fato de ele estar com amigos homens junto, isso pode ter dado uma certa afastada de garotas pedindo carona por perto. E foi interessante ver a enorme interação de meninas comentando no post dele. Era muita mulher querendo viajar de carona também! Demais ver isso!
Para a ala feminina que se empolgou, tem uma história legal do Lucas relacionada a meninas nas caronas. Teve uma vez em que ele fez hitchhiking com um amigo e uma amiga, e uma das pessoas que deu carona disse só ter parado por ver uma menina no grupo (uma das pessoas: leia-se uma moça). Portanto, girls, há espaço para nós nessa jornada sim! Mas é claro que nossa situação é infelizmente muito mais delicada e precisamos estar mais alertas.
E se quiserem se inspirar ainda mais sobre viajar de carona, vou deixar aqui para vocês a história de uma grande amiga, a Paty, que viajou de Curitiba até Ushuaia sem dinheiro nenhum e apenas de carona. Ela é colunista do blog Mochilando e na ocasião ela estava acompanhada de um amigo, o Brian. Eles foram sem grana mesmo, na cara e na coragem. A única moeda de troca deles eram umas fotos que eles imprimiram como se fossem postais e iam vendendo pelo caminho – eles são excelentes fotógrafos! Essa trip deles é muito inspiradora, e eles também têm histórias de muita gente generosa e de bom coração que eles conheceram pelo caminho. Um verdadeiro exercício de fé no ser humano. Em um mundo onde vemos tanta maldade por aí. é um alívio descobrir que existe o dobro de gente boa por onde passamos.
Leiam os posts da Paty no blog Mochilando:
De carona para a Patagônia: coisas que o dinheiro não compra
Viajando de carona e sem dinheiro ao fim do mundo
E se você tem alguma história, me conta aqui embaixo nos comentários. Vou amar saber e me inspirar com vocês!
Obs.: As fotos que ilustram esse post foram cedidas pelo Lucas.
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