De mudança pra França? Como assim? É de vez? E o Chile? O que você fez com a Paçoca? E o coronavírus? Vamos lá! Vou contar tudo explicadinho aqui.
Pela primeira vez em cinco anos eu fiquei sete meses seguidos no Brasil. E pela primeira vez em 17 anos eu fiquei cinco meses seguidos na minha cidade natal, Itaperuna (saí da casa dos meus pais com 16 anos). Sempre que me perguntavam sobre planos de voltar a morar por aqui, eu respondia com muita segurança que amo viajar pelo Brasil, mas que não ia voltar a morar aqui tão cedo.
Na verdade, meus planos não mudaram. Eu vim matar a saudade e dar uma viajada e de repente, ops, fui pega de surpresa pela pandemia, assim como todo mundo, e da noite para o dia não pude voltar para o Chile, que até então era minha base, e nem concluir as viagens que eu queria esse ano.
Para 2020 eu tinha planejado ficar no Brasil de Janeiro a Março, quando voltaria para o Chile e ficaria por lá até Julho, pra pegar o início da temporada de neve. Depois começaria a subir por terra do Chile até a Colômbia, passando por Peru e Equador. A princípio seriam uns cinco meses mochilando e fazendo voluntariado – um sonho antigo.
Planos interrompidos
Só que essa pandemia veio para mostrar que podemos até fazer planos, mas, ao contrário do que tantas vezes pensamos, não somos donos do nosso futuro. Imprevistos nos pegam de surpresa, e é aí que precisamos de muito jogo de cintura pra não se abater e dar um jeito de reprogramar a vida. Por muitos meses (150 dias pra ser mais exata) eu fiquei esperando a situação do coronavírus melhorar, tanto no Brasil, como no Chile, pra finalmente voltar pra “casa”.
Semana pós semana ficava a esperança das coisas mudarem. Mas, ao contrário disso, vivenciei uma situação política desanimadora no nosso país, com os números de mortes e infectados ora estáveis, ora aumentando. Mas jamais diminuindo expressivamente. Até hoje não saímos da primeira onda da “gripezinha” que já matou mais de 100.000 brasileiros.
Enquanto muitos países se esforçam para controlar com seriedade a pandemia, presenciei a negação do vírus no Brasil. Já são meses sem um Ministro da Saúde. Os escândalos são diários (hoje, quando acordei para vir para o aeroporto, a novidade era o governador do Rio de Janeiro sendo afastado do cargo por suspeitas de “irregularidade” na Saúde. Em outras palavras: um criminoso).
Como eu posso querer voltar a morar aqui? Para além da minha sede de explorar o mundo, a possibilidade de conhecer tantas outras culturas escancara ainda mais o quanto estamos atrasados em muitos quesitos. E o pior: com o apoio de muita gente.
Impotência
De tudo que vivi no Brasil nesses últimos meses, o que mais me deixou para baixo e trouxe algumas crises existenciais, dessas onde só queremos chorar e dormir por uns dias, foram os escândalos políticos. Não só na esfera estadual, mas principalmente na federal. Para mim foi um choque esse negacionismo de uma doença que está matando meio mundo. A complacência com os escândalos. O presidente fazendo propaganda escancarada (alô, Conar) de uma medicação sem comprovação científica pro corona e com efeitos colaterais. A infinidade de fake news que, socorro!, tá na cara que são mentira – mas têm milhares de compartilhamentos nas redes sociais.
Eu, aliás, contei sobre esse episódio da hidroxicloroquina para alguns amigos estrangeiros, porque queria saber se em seus países estavam dando o mesmo tratamento ao novo coronavírus. Sabe quando você quer pensar que é você que tá louco e não o resto? Pois é. Mas eu só colecionei mais e mais pessoas incrédulas com o que tem acontecido por aqui. Alguns davam até risada. Parece mesmo uma piada. De péssimo gosto.
E eu por dentro me sentia morrendo aos poucos. Uma sensação de impotência. De medo. De insegurança. Se eu, no topo de todos os meus privilégios me sinto assim, o que vai ser de quem tá na base da pirâmide? Que mal tem acesso a informação? Que a única preocupação é conseguir comer hoje? Num país onde 1/4 da população tem renda domiciliar por pessoa inferior a R$406 por mês, vivendo abaixo da linha da pobreza? Não dá pra simplesmente ignorar tamanha desigualdade e descaso no nosso país e achar que tá tudo bem.
Só coisas ruins?
Não vou dizer que os 160 dias de distanciamento social que vivi foram péssimos, porque seria uma enorme mentira. Eu tive comida boa todos os dias, uma casa cômoda, saúde, abrigo quando estava frio, ninguém próximo a mim morreu pelo vírus e eu passei todo esse período com as pessoas que eu mais amo na vida: meus pais, meu irmão, minha vó, a Luninha. Desenvolvi até mesmo um amor novo: a paçoquinha, minha gatinha mais carinhosa e amorosa do mundo.
Vou ser muito sincera. Provavelmente eu não teria essa oportunidade nos próximos anos. Estou sempre com pressa de conhecer mais e mais lugares, odeio rotina, preciso estar em movimento, me mudando de cidade, de país, de ambiente. As visitas ao Brasil sempre dão a impressão de serem rápidas demais, por mais tempo que eu decida passar aqui.
Uma nova rotina
Mas, contra minha vontade, eu tive que colocar o pé no freio. Aluguei uma casa. Comi arroz com feijão todos os dias. Fiz algumas caminhadas percorrendo exatamente o mesmo trajeto. Adotei uma gata. Deixei o mochilão esquecido no armário. Vi meu trabalho minguar e minha receita com Turismo ir pelo ralo.
Netflix virou meu melhor amigo e comecei a ver séries, coisa que antes eu achava uma grande perda de tempo. Tive tempo para criar playlists no Spotify. Para fazer um planejamento financeiro. Comecei a ter uma rotina de skincare. Cuidei da minha saúde. Do meu cabelo. Da minha tireóide. Da minha sexualidade.
E vivi momentos únicos com a minha família. Jogamos baralho, cozinhamos juntos, tomamos muita cerveja, fizemos muita faxina, comemos inúmeros bolos preparados pela minha mãe (com calda extra de chocolate!), vimos filmes e séries juntos, fizemos doações, aprendi receitas novas, contamos histórias, comemoramos juntos o Dia dos Pais, das Mães, Páscoa, meu aniversário, 90 anos da minha vó, 60 anos da minha mãe, aniversário do meu irmão.
“Estou onde deveria estar”
Foi tão ruim assim ficar “presa” no Brasil? Definitivamente não. Esses momentos ajudaram a tornar tudo mais leve. Acredito que eu estava onde deveria estar. E vivi intensamente tudo isso. Levo cada um desses dias comigo no coração.
Mas era hora de fechar esse ciclo.
E o Chile?
Quando eu vim pro Brasil no final de Janeiro, já tinha passagem de volta comprada pro Chile para Março. Lá é minha base e o Atacama é o lugar que eu escolhi para chamar de meu (ou foi o Atacama que me escolheu?). Deixei para trás minhas roupas de frio, que não fariam sentido no verão brasileiro, minha gopro, meu perfume preferido, minha bota de trekking, um crush, muitos planos. Eu não tinha ideia de que não poderia voltar.
Esse sentimento de não poder voltar para o lugar que eu chamo de casa, enquanto todo mundo gritava #Fiqueemcasa, me inundou por bastante tempo. E fiquei na esperança de poder voltar em breve – o que me deu forças também para esperar tanto tempo. Mas aí minha ficha caiu. Não sei quando o Chile vai reabrir suas fronteiras. E essa espera eterna é angustiante demais para não tomar nenhuma iniciativa.
Morar no Brasil?
Eu já estava certa de que não queria mais estar no Brasil. E olha que, apesar de todos os pesares, esse é certamente meu país preferido no mundo! Que eu amo visitar! Com as belezas naturais mais diversas e incríveis!
Mas não moro aqui há anos e com certeza não é agora, com todo esse caos, que quero fixar residência de vez. Estar confinada enquanto o resto do país volta a levar uma vida normal também foi me trazendo uma sensação horrível, de abandono, de impotência, de incredulidade. Eu escolhi levar o distanciamento a sério, e não me arrependo.
Então comecei a procurar outro país para onde eu poderia me mudar com segurança. Fiz uma lista numa planilha no Excel. Conferi preços de passagens, regras para entrar, possibilidades de conseguir um emprego. E decidi que iria para Portugal. Tenho muitos amigos morando lá. A pandemia está muito mais controlada que aqui. Não é tããão caro. A língua é a mesma. Eles ainda não estão aceitando brasileiros, mas eu tenho cidadania italiana, o que me permite entrar na Europa.
Porém, no intervalo em que conversei com meus amigos e decidi efetivamente ir, a passagem aérea para Lisboa saindo do Brasil triplicou de preço.
Então por que a França?
Continuei pesquisando e vi que poderia ir com milhas para a França. De lá seria fácil, era só comprar um voo low cost e rapidinho estaria em Portugal. Conferi todas as regras de imigração (entre elas testar negativo para Covid-19) e paguei um pouquinho mais caro por um voo direto com a Airfrance, para evitar escala em outros aeroportos e diminuir minha chance de contaminação – entre comprar a passagem e pegar o voo se passaram duas semanas!
De repente fui consumida por um sonho antigo de morar na França. Em 2013 eu quase fui fazer um intercâmbio de francês em Marseille. Então decidi dar uma olhadinha nas opções de voluntariado na França pela plataforma Worldpackers. Vai que rola uma oportunidade legal, né?
O destino me sorriu
Bingo! Encontrei várias opções bacanas de voluntariado e apliquei para três delas. Com o euro na casa dos 7 reais não daria pra simplesmente ir sem muitos planos. Vai que a sorte tá do meu lado, né? Pois parece que estava!
No dia seguinte consegui contato com um hotel irado no meio da natureza, mais minha cara impossível, isolado de cidades grandes, e a pouco mais de uma hora de Paris. Batemos um papo, me explicaram sobre a vaga, me pareceu maravilhoso (vou contar mais aqui depois) e na mesma hora confirmei que ia.
Fui invadida por uma mistura de sentimentos loucos. Ansiedade. Alegria. Medo. Coração apertado. Saudade antecipada. Estava mesmo tomando a melhor decisão? Eu não tinha ideia! Mas parece que o destino estava sorrindo pra mim, dando uma piscadinha marota.
As borboletas no estômago se multiplicaram. E comecei a me organizar para mais essa mudança.
Quanto tempo vou ficar na França?
Eu ainda não tenho ideia de quanto tempo ficarei na França. Minha ideia é esperar a fronteira para o Chile reabrir, e assim que isso acontecer comprar uma passagem para lá! Estou morrendo de saudade do deserto. Mas essa reabertura foge completamente do meu controle. Pode ser mês que vem. Pode ser ano que vem.
Então enquanto isso decidi ficar quietinha na França. Conhecendo uma cultura diferente. Aprendendo uma língua nova. Sem viagens por enquanto. Como disse o meu padrinho, estou saindo da roça no Brasil para ir para a roça na França. Hahaha mas é bem por aí mesmo. Não me sinto à vontade ainda para colocar a mochila nas costas e sair viajando por aí. Por lá a coisa parece está melhor controlada (vou saber melhor ao chegar), mas o vírus ainda existe e alguns lugares da Europa estão começando a enfrentar uma segunda onda de Covid-19.
Deixa a vida me levar way of life
Estou mais uma vez deixando a vida me levar. Minha maneira favorita de encarar a vida. Estou confiante de que bons ventos me esperam. Deixo o Brasil com o coração apertado, pois foi impossível não me apegar ainda mais à minha família depois de tanto tempo grudados. Queria muito ter me despedido de muita gente. Não sei o que vai acontecer no nosso país daqui pra frente.
Me despeço, mais uma vez, pessoas que amo muito. Mas, por outro lado, fico feliz em ter fechado esse ciclo com tantos aprendizados e bons momentos. Prefiro levar comigo tudo que foi bom. E manter a esperança de dias melhores.
E a Paçoquinha?
Quem me acompanhou no Instagram nos últimos meses, sabe que eu adotei uma gatinha. Na verdade, a gata de um amigo teve vários filhotinhos no início do ano e ele queria doar. Como estava com dificuldade, e ele sabia que eu não estava nos meus melhores momentos, ele sugeriu de uma delas ficar comigo por uns dias enquanto ele buscava um lar pra ela.
Até então nós achávamos que eu só ia ficar mais um mês no Brasil, no máximo. O tempo foi passando. Ele não conseguiu alguém para adotá-la. Eu me apeguei a ela. Ela se apegou a mim. Quem viu sabe: ela fez meus dias muito felizes! Eu desenvolvi um amor que jamais imaginei que teria por um gato (sempre fui de cachorros).
Por que não levou a Paçoca com você?
Trazer a Paçoca comigo é inviável. É burocrático levar um animal de estimação para outros países. É muito caro. Gatos não se adaptam a mudanças constantes de casa. Ela poderia fugir por não se adaptar ao ambiente novo. Poderia se perder ao sair pra dar uma volta por não conhecer bem onde estaria. Eu não tenho residência fixa. Levaria ela onde, na mochila? Enfim. São muitos fatores contrários a essa ideia. Se fosse naquela época que eu morava num motorhome, até dava. Mas mochilando? Impossível.
Então eu a devolvi pro meu amigo, que decidiu ficar com ela e não doá-la a ninguém. Eu sinto saudade dela todos os dias. Escrevo agora com o olho cheio de lágrima. Não posso passar em frente a uma petshop vendendo brinquedos que meu coração aperta. Vejo memes de gatos o dia inteiro.
Penso na adaptação difícil dela voltando pra casa do meu amigo depois de tantos meses. Na saudade que ela com certeza tá. A gente dormia agarradinha na minha cama todos os dias. Ela me esperava na porta de casa quando eu tinha que sair. Me acompanhava até quando eu ia tomar banho. Deitava no meu colo enquanto eu trabalhava no computador. Foi a companheira que eu precisava. Dei tanto, mas tanto carinho. E recebi de volta um amor genuíno que só os animais podem demonstrar.
É foda se despedir
Com tantos anos de estrada, eu me acostumei a me despedir sempre – afinal, eu sempre estou indo embora de algum lugar. Mas há muitas despedidas que são de cortar o coração. Essa foi uma delas. Me alivia saber que ela está bem cuidada com meu amigo, que me envia fotos e vídeos dela diariamente e já prometeu que posso roubá-la por uns dias quando voltar ao Brasil.
Quando possível, vou mostrar mais da França para vocês. Também vou escrever aqui para o blog sobre como foi toda a preparação para a imigração e sobre a vaga de voluntariado que consegui no interior da França. Por ora eu só agradeço a cada um que me acompanha e que manda boas energias. Com muita cautela e zero pressa, vou apresentando um pouquinho do que estou vivendo desse lado de cá <3
Se você não sabe, essa não é a primeira vez que eu moro na Europa. Em 2015 eu morei na Croácia e tem uns posts bem legais aqui no blog: