Hoje o relato para a série Diários da Pandemia é da Eugenia, que conta como anda o coronavírus no Uruguai. O pequeno país tem 3,4 milhão de habitantes e uma das maiores taxas de longevidade da América do Sul. E foi pego de surpresa pelo novo vírus logo após a troca de governo, que representou uma ruptura de quinze anos da oposição no poder. O novo presidente Luis Alberto Lacalle Pou assumiu o cargo no dia 01/03. Menos de duas semanas depois, o Covid-19 chegou ao país.
Foi um grande desafio, conforme a Eugenia relata. No entanto o Uruguai vem obtendo ótimos resultados no combate ao coronavírus. Especialistas afirmam que isso se deveu à rapidez para declarar emergência de saúde, suspender aulas e fechar fronteiras – tudo no mesmo dia em que foi confirmado o primeiro caso de infecção no país. Outro fator importante é a característica demográfica do Uruguai, com uma baixa densidade populacional e sem grandes cidades.
Também foi criado logo no início da pandemia o “Fundo Coronavírus”. A iniciativa representou um corte de 20% dos salários do presidente, de ministros, legisladores e outros funcionários do setor público para reforçar recursos no combate ao Covid-19.
Por último, vale ressaltar que em nenhum momento o país decretou quarentena obrigatória. Ao contrário, houve um esforço de conscientização da população para seguir as recomendações de prevenção. O confinamento voluntário vem funcionando. Mas o país ainda precisa ficar atento ao relaxamento das medidas, já que novos surtos podem vir à tona, como o que aconteceu recentemente na região de Treinta y Tres, onde o número de casos ativos de Covid-19 saltou de 12 para 37 em um único fim-de-semana.
Leia mais sobre o combate ao coronavírus no Uruguai nesse excelente artigo da BBC.
Quem é a Eugenia
Sou Eugenia Santurio, tenho 27 anos e sou nascida e criada em Salto, Uruguai, onde está toda a minha família. Salto é um estado uruguaio que fica na fronteira com a Argentina (basta cruzar uma ponte) e sua capital é a cidade homônima de Salto.
No ano passado pedi demissão do meu trabalho como secretária e um pouco antes de me formar na universidade de Matemática mudei de planos e fui fazer um mochilão pela América do Sul. Trabalhei como voluntária e fiz couchsurfing o máximo possível, pois era uma viagem com pouca grana.
Mochilão interrompido pela pandemia
Comecei meu mochilão por Córdoba, Argentina, em julho de 2019 e de lá continuei percorrendo o país por uns meses. Desci até Ushuaia para visitar a Patagônia. A viagem estava saindo perfeita conforme o planejado. Eu precisava estar em Buenos Aires em fevereiro deste ano para alguns compromissos e assim o fiz. Depois disso, a idéia era visitar minha família e amigos no Uruguai por alguns dias para depois seguir pelo Brasil e continuar subindo lentamente pelo continente americano.
No final de fevereiro tudo estava indo conforme o planejado: eu já estava em casa, curtindo tudo e todos. Mas, ao mesmo tempo, uma pandemia se aproximava e me deixaria “encalhada” no melhor lugar que eu pensaria em estar para passar uma quarentena.
Covid-19 chega ao Uruguai
No início de março começou a se falar do Covid-19 no Uruguai. Antes já se sabia do vírus na Europa e na Ásia, mas de repente começamos a escutar que o vírus já estava na América. Perto, cada vez mais perto. Até que uma pessoa recém-chegada da Europa infectou várias outras em uma festa no sul do país, resultando nos primeiros casos de coronavírus no Uruguai.
Em poucos dias foram relatados casos na minha cidade, Salto, e em outras partes do país. As pessoas ficaram preocupadas e o governo começou a agir.
Foi um grande desafio para nós, porque no dia 01/03 havia mudado o governo no Uruguai. Ou seja, tínhamos “novos” representantes que, além de se encarregarem de todos os problemas do país, tiveram que enfrentar essa situação como um tapa na cara. Apesar disso, eles tentaram tomar as medidas de combate ao vírus o mais rápido possível.
Quarentena no Uruguai
No dia 13/03 as aulas em todo o país foram suspensas (mas continuaram a oferecer almoço para as crianças que mais precisavam). Com o passar dos dias, os shoppings começaram a fechar, assim como as maiores lojas, boates, bares. Enfim, todos os locais para eventos e entretenimentos onde muitas pessoas pudessem se reunir.
Foi solicitado à população que usassem máscaras e mantivessem distância social para evitar possíveis contágios entre todos. Em nenhum momento o presidente decretou uma quarentena obrigatória, mas foi solicitado à população que não saísse de casa caso não fosse necessário. Essa medida foi tomada porque, como disse o presidente, existem pessoas que vivem dia após dia e sua única renda econômica não pode ser tirada delas.
Para além de concordar ou discordar dessa atitude, a conscientização da população era o ponto chave para nos cuidarmos e nos mantermos em casa sempre que possível.
Medidas mais duras
No começo, como era uma situação nova para todos e o Verão já estava terminando, era difícil ficar sem sair. Então tivemos que dar outros passos. Na minha cidade, por exemplo, as multas começaram a ser aplicadas a veículos que passeavam à beira-mar, um local muito movimentado pra tomar mate e fazer exercícios.
Adaptação à nova realidade
Os dias se passaram e menos pessoas foram vistas nas ruas, algumas empresas começaram a abrir em horário reduzido, mas tudo com cautela. Por alguma razão, que obviamente foi questionada por grande parte da população, o governo decidiu que as atividades nas escolas rurais seriam reiniciadas primeiro. Dentro de algumas semanas, as escolas e os cursinhos em todo o país também reabriram, porém com horário reduzido e cada turma teria que ser separada em dois grupos.
Após quase 3 meses que o coronavírus foi declarado Pandemia pela OMS, os shoppings e alguns bares reabriram no Uruguai. As lojas estão abertas praticamente em seu horário de funcionamento normal. Mas todos levando em consideração as medidas básicas de segurança sugeridas, como álcool em gel, máscaras faciais, higienização das instalações. Temos visto mais pessoas nas ruas, digamos, levando uma vida normal. Sem mencionar, claro, a crise econômica que a pandemia trouxe.
Turismo interno no Uruguai
Salto, em particular, é conhecida por ter fontes termais e, por isso, é uma cidade muito turística. Obviamente, tudo relacionado ao turismo fechou suas portas e quem trabalha nesse setor foi rapidamente afetado, principalmente porque estava próximo a uma época onde todos os anos chegam turistas de todos os lados a Saltos. Esse ano foi tudo cancelado.
Quanto à mobilidade das pessoas em todo o país, você pode viajar por conta própria ou de ônibus, uma vez que as empresas de transporte levam em consideração seu protocolo de segurança e, pelo que entendi, têm inclusive uma permissão especial para trabalhar em alguns países vizinhos (Argentina ou Brasil). Em relação aos ônibus que circulam dentro das cidades, aos domingos eles não estão funcionando.
De resto está normal. Portanto podemos viajar dentro do Uruguai, desde que respeitemos os protocolos de segurança, como usar máscara, fazer higiene constante das mãos e manter certo distanciamento de outras pessoas. Um ou outro ponto turístico está fechado, mas com a previsão de reabrir em breve.
Coronavírus no Uruguai hoje
Hoje, dia 01/07, o Uruguai tem 936 pessoas infectadas, dos quais 824 já se recuperaram, e 27 mortes por Covid-19. Conforme relatado no início desse post, o coronavírus está controlado no país e a curva vem se achatando. Porém ainda é necessário ter cautela para não haver novos surtos como o da província de Treinta y Tres.
Outra região que merece atenção é a fronteira entre Uruguai e Brasil, onde estão as cidades Santana do Livramento e Rivera. Ali vivem mais de 155 mil pessoas levando basicamente uma vida de dupla nacionalidade. Do lado brasileiro os casos seguem se multiplicando e medidas específicas precisaram ser tomadas para não levar o contágio a solo uruguaio, como toque de recolher, testagem conjunta contra a doença e um mecanismo único de controle da proliferação do Covid-19. Você pode se aprofundar mais nesse artigo da UOL.