É até injusto falar da tão esperada chegada a Alto Caparaó e da vitoriosa subida ao Pico da Bandeira depois do último post contando sobre os dias 5 e 6 do Caminho da Luz. É que eles foram tão especiais para mim, que o trekking à terceira montanha mais alta do Brasil, ou a primeira mais alta alcançável por trilha de todo o país, poderia parecer algo menos importante.
Mas a verdade é que esse foi o desfecho perfeito para essa viagem que, acreditem, foi um puta desafio diário. Foi a primeira vez que fiz uma trilha tão longa (meu máximo até hoje tinham sido aquelas de ida e volta no mesmo dia, sabe?). Cara, foram oito dias peregrinando pelos morros inacabáveis de Minas Gerais! Também foi a primeira vez que andei 27km ininterruptos num dia. E foi a primeira vez que gastei mais de quatro horas para subir uma montanha. E quase quatro horas para descê-la.
Mas hoje eu falo dessa viagem com o maior orgulho e só tenho a agradecer à Rastro de Luz pelo convite e pela oportunidade de vivenciar tudo isso. A base de muito dorflex e massagem na panturrilha, e sofrendo para encarar cada degrau ou para me agachar para pegar qualquer coisa no chão, hoje do alto dos meus 28 anos – sofrendo dos efeitos colaterais como se eu tivesse 80 – quero contar a vocês como foram os dois últimos dias do inesquecível Caminho da Luz.
Leia aqui também como foram os:
DIA 7 do Caminho da Luz
Acordei para tomar café da manhã com a boa notícia de que hoje o percurso seria moleza: apenas 14km de Galileia a Alto Caparaó, nosso destino pelas próximas noites! Para quem até então tinha caminhado mais de 50km apenas nos últimos dois dias, isso soava como brincadeira de criança. Mais fácil que tabuada do 1.
Só que…Pura ilusão! Esqueci do pequeno detalhe que em Minas Gerais cada esquina esconde um morro.
Saímos até mais tarde nesse dia depois da cantoria da roda de viola da noite anterior. Ao invés de 7h, combinamos de ir às 8h. Mas a dificuldade em deixar a família Brinate foi tão grande, que só começamos a caminhada mesmo lá para umas 9h.
“Antes das 11h já estaremos lá!”, repeti umas três vezes. Mas faltou o #SQN. Debaixo de sol, encaramos muuuuuita subida a passos lentos até começar a ver Alto Caparaó tomar forma à nossa frente.
E não se engane: quando você começar a passar pelas primeiras casinhas, terá andado apenas 11km. Mais 3km dentro da cidade te esperam pela frente. Oportunidade perfeita para um stop em um lugar fofo que apareceu no nosso caminho chamado Café com Arte. Lá tomamos um café gourmet, servido no bule, acompanhado de uma palha italiana caseira. Sentamos, descansamos a perna, batemos papo, tiramos fotos. Ao final, minha conta deu apenas R$4 (sério, no Rio de Janeiro não daria menos que R$15). Ahhh, Minas Gerais!
Seguimos andando até nossa pousada, a Serra Azul, bastante simples, mas com localização excelente em Alto Caparaó. Foi o tempo de tomar banho e sair para almoçar no Cantinho Bistrô, logo do outro lado da rua. Uma comidinha mineira arretada nos esperava! E a sede era das grandes. Mas eles não vendiam cerveja (em Alto Caparaó há muitos estabelecimentos evangélicos que não vendem álcool). Foi moleza de solucionar: eles já indicaram comprar a cerveja no bar do lado, e podia beber no restaurante deles. Show!
À tarde, como boa peregrina, fui andar. Teríamos o resto do dia livre, então fui passear e comprar souvenirs. Uma pena que eles não vendam nenhuma lembrancinha do Caminho da Luz (até dei a dica em uma das lojinhas!), mas claro que adquiri um ímã do Pico da Bandeira. E uma parte do meu grupo também aproveitou para visitar a fazenda Ninho da Águia, produtora do eleito o melhor café do Brasil. Aliás, essa região é excelente produtora de cafés! Não deixe de experimentar e comprar alguns.
À noite jantamos no Estorino´s, também quase em frente à nossa pousada e com uma pizza excelente! Massa fininha e crocante. Prove também o licor de limão da casa. Sensacional!
Mais uma dica de hospedagem em Alto Caparaó é o Caparaó Parque Hotel, com excelente infra estrutura e um dos melhores da cidade. Já me hospedei lá há alguns anos com meus pais e gostei. Alto Caparaó é uma cidade bem turística e lá você não terá grandes dificuldades em encontrar lugares para se hospedar ou para comer (apenas fique ligado se for feriado, pois a cidade costuma lotar, então será melhor fazer reserva com antecedência).
DIA 8 do Caminho da Luz
Chegou o grande dia! Momento de vencer a montanha mais alta do Brasil onde eu posso chegar ao seu topo com meus próprios pés! O Pico da Bandeira, também conhecido como a montanha sagrada do Brasil, e que atrai tantos aventureiros a esse cantinho de Minas.
Tomamos café da manhã bem cedo e às 7h os jeeps contratados pela Rastro de Luz já chegaram para nos buscar e nos levar até a Tronqueira, lugar limite onde os carros podem chegar antes do pico – da nossa pousada até lá seriam cerca de 9km com muita inclinação. Mas nos foi recomendado poupar energias para a subida ao Pico.
Sábia recomendação. Chegando à Tronqueira, muitas fotos, um friozinho na barriga, um ventinho gelado.
Quando demos o Ok de que todos estávamos prontos, iniciamos a trilha. Éramos um grupo de 18 pessoas acompanhadas por nossos dois guias. Havia gente desde 16 anos até mais de 60. Alguns experientes em trilhas pesadas, outros mais sedentários. Alguns loucos pra chegar logo lá em cima. Outros inseguros se teriam coragem de encarar a montanha. Uns aventureiros, outros com fobia a altura.
Mas começamos. O início é relativamente tranquilo. São 3,7km até o Terreirão, base onde há uma estrutura com banheiros, vestiários, guardinhas e onde muitas pessoas acampam para subir até o pico durante a noite e pegar o amanhecer (dizem que o nascer do sol de lá de cima é um dos mais bonitos do Brasil!). Veja algumas fotos da primeira parte do percurso:
Levamos um pouco menos de duas horas nesse percurso. E chegando ao Terreirão, paramos um pouquinho para descansar e comer alguma coisinha pois já estava batendo fome.
O trajeto seguinte seria de 3,2km até o tão almejado pico. E essa parte foi dureza, viu! Você vai subindo os dois primeiros quilômetros no cansaço, mas é um percurso que dá pra fazer. Só que quando chega no quilômetro final…Senhorrrr! Tinha umas partes que eu olhava e até duvidava se era possível subir por ali mesmo. Ter um cajado comigo para utilizar como apoio foi uma super ajuda!
Fiz essa parte final sozinha. Aliás, eu e vocês no snapchat. Cada passo era um suor escorrendo na testa. Mas você vai vendo a cruz do Pico da Bandeira se aproximando e não dá vontade de parar. Você olha pra trás e vê o tanto que já andou, que é impossível desistir ali. Você olha pros lados e já está acima das nuvens!
Quando eu finalmente cheguei lá em cima, me joguei no chão, abri os braços, fechei os olhos. Deixei meu corpo quente adormecer com a brisa da nova temperatura, que devia estar marcando uns dez graus. E veio um filme dos meus últimos dias de peregrinação na cabeça. Eram quase 200km. Qua-se-du-zen-tos! Quase três mil metros de altitude. Qua-se-três-mil! É incrível aonde nossos próprios pés podem nos levar. O que nossos olhos podem ver de lá de cima. O que nossa mente é capaz de nos fazer acreditar que somos capazes.
Se você sempre pensar que qualquer caminho é demais para você, vai por mim!, ele SEMPRE será demais para você. Se você achar que não consegue caminhar 20km, você não caminhará nem CINCO km. Se nem você acredita em você mesmo, você NUNCA superará desafios e nunca sairá do lugar. Tente, falhe, volte atrás, tente de novo, canse, recupere o fôlego, tente mais uma vez. Dê apenas um passo! E, olha só, você já não estará mais no mesmo lugar de antes. E isso serve para tudo na vida.
Se em algum momento eu valorizasse mais as dificuldades que o lado bom de se andar quase 200km finalizando com uma trilha de nove horas que me levaria ao terceiro pico mais alto do Brasil, eu só veria morros, calos, bolhas nos pés, dores na lombar e na panturrilha, cansaços, dias consecutivos acordando às 5h da manhã, noites em colchões pouco confortáveis, travesseiros às vezes altos e/ou duros demais, falta de sinal de celular por uma semana, falta de roupas próprias para uma viagem desse tipo, cansaço, desânimo.
Mas, ao contrário disso, eu enxerguei o desafio a ser vencido, os amigos que eu faria, as histórias que eu viveria, as bolhas e os calos que eu nem tive, as famílias que nos receberiam, toquei um fo#*@-se para não ter roupas próprias, vi uma parte do Brasil a ser desvendada, comidas mineiras mil, conquistas, uma realização pessoal. Treinei quase todos os dias por um mês. Li bastante sobre esse tipo de atividade. No meio de tanta pesquisa, me apavorei um pouquinho com minha decisão sim, claro. Não sou um ET, né. Mas não arredei o pé. Montei minha necessaire com dorflex, torsilax e lanterna, catei meu tênis de corrida, separei umas roupas tipo de academia, comprei capa de chuva. E me mandei de mochila nas costas. Sem nem olhar pra trás.
Minha ideia com o Caminho da Luz foi testar se eu teria condições de fazer o Santiago de Compostela. E a resposta, ao final de tudo, é que eu teria condições de fazer QUALQUER peregrinação do mundo. Desde que EU queira.
Depois de muita contemplação, saltos para fotos, agradecimentos mudos, variações de clima do nublado ao ensolarado em questões de minutos, danças de nuvens ao alcance da minha mão, uma alegria nos olhos saltando da pupila, foi a hora do meu grupo se reunir.
E vou te dizer…Se até aquele minuto minha gratidão se distribuía em sorrisos, por uns minutos ela se expôs em lágrimas. Todos demos as mãos em volta da cruz do Pico da Bandeira, ficamos em silêncio por breves minutos. E pouco a pouco cada um fez o seu agradecimento. Por ter vencido a barreira física, da idade, da fobia de altura. Por ter tido a companhia de uma mãe, de uma filha, de um pai naquela viagem. Por ter encontrado um grupo com uma energia tão boa. Pelos apoios quando achamos que não seríamos capazes. Eu agradeci porque eu viajei sozinha (era a única no grupo que não tinha ido com um acompanhante). E, apesar disso, em momento algum havia me sentido verdadeiramente só. Fiz amigos e conheci pessoas que eu realmente espero ver de novo nessa vida.
O curioso foi ver outras pessoas em volta que estavam no mesmo clima que nós, que aproveitaram o momento para dar as mãos entre elas em forma de agradecimento. Então convidamos que elas se unissem ao nosso grupo, e formamos um círculo ainda maior. A energia que tomou conta de nós naquele momento é inexplicável. Fechamos os olhos, oramos juntos e de mãos dadas, nos emocionamos. E ao final uma paz diferente tomou conta de mim, e acredito que de muitos ali.
E foi a hora de voltar aos menos de 2000m de altitude. A descida é chata. Aliás, chatíssima. Muita inclinação no início, muitas pedrinhas soltas, muito cuidado com o joelho e para não virar o pé, cautela, cajado, cansaço. Foram mais de três horas de descidas, com quase nenhuma parada. Depois que você já atingiu seu objetivo maior, o secundário, que é apenas voltar pro hotel, se torna um peso. Andamos, andamos, andamos, e finalmente chegamos ao Tronqueirão, onde nossos jeeps nos esperavam novamente.
Quando voltei para nossa pousada, um banho quente ajudou a relaxar o corpo doído. Deitei na cama e pus as pernas para cima escoradas na parede. E tinha um sorrisão insistente que não largava meu rosto. Terminamos a noite no Cantinho Bistrô novamente, num rodízio de sopas para aquecer aquela noite com gostinho de comemoração, mas também de despedida… Despedida de uma viagem que me marcou e que eu espero poder repetir ainda muitas vezes na vida!
Caminho de Santiago de Compostela, do Sol, Franciscano, das Missões, Monte Roraima… Quiçá o Everest! Me aguardem. Já confirmei que a única coisa que pode me impedir de ir sou eu mesma. E dessa prisão eu estou livre faz tempo.
DICAS EXTRAS para a subida ao Pico da Bandeira
– É possível subir o Pico da Bandeira tanto por Minas Gerais, como pelo Espírito Santo. Por Minas, a cidade base principal é Alto Caparaó. Pelo lado mineiro, é Pedra Menina.
– A subida é puxada, mas vi gente de todo tipo por lá – em especial a galera que vai pra acampar e subir de madrugada. Dava para ver que eram pessoas inexperientes, pois estavam carregando bolsas ENORMES e sem usar roupas apropriadas. Vi até uma mulher carregando um travesseiro (no meio daquela poeira toda!). Vi também uma moça fazendo o trekking de calça jeans e jaqueta de couro. Com isso eu quero te mostrar que subir o Pico da Bandeira é para qualquer um. E não apenas para quem tem um super preparo.
– Dá para subir por conta própria, pois há bastante sinalização. Mas se quiser contratar um guia para te levar, ele vai conhecer uns atalhos ótimos que te ajudam a se cansar menos e a cortar caminho. Eu fui assim e achei que valeu a pena. O preço costuma ficar em cerca de R$200 para o guia, que acompanha um grupo de até 10 pessoas. Sai baratex se você juntar uma galera. Eu indico o Rodrigo, que foi quem nos acompanhou. Ele é guia turístico credenciado do Pico da Bandeira há mais de dez anos e já perdeu as contas de quantas vezes fez o percurso. Além disso, é alto astral, super profissional e sabe tudo mesmo do pico. Clique aqui para entrar na página dele no Facebook.
– Se você quiser subir para acampar no Terreirão, e de lá ir ao topo do Pico da Bandeira durante a noite para ver o sol nascer (muuuita gente faz isso, e dizem que é maravilhoso), tenha em mente que precisará levar barraca, colchão térmico e comidas fáceis de preparar (omo sanduíches, atum em lata, biscoitos). Leve também água e o que mais quiser beber, como sucos prontos ou isotônicos.
– É proibido entrar com bebida alcoólica.
– Faz frio lá! Leve roupas quentinhas, como calça e blusa de lã ou térmicas, um bom casaco, gorro, luva.
– Tente levar o mínimo necessário, pois a subida é pesadinha. Lembre-se que qualquer quilinho a mais será sentido nas suas costas como se fosse cinco vezes mais pesado.
– No Terreirão há banheiros, vestuários e guardinhas para vigiar e auxiliar os turistas.