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Contos de viagem: Uma kombi russa pelo deserto de Gobi, na Mongólia

Contos de viagem: Uma kombi russa pelo deserto de Gobi, na Mongólia

Viver muitos perrengues sempre me inspiram a escrever. Talvez por serem uma parte imprescindível de qualquer viagem. Na hora às vezes eu reclamo, mas eu adoro aqueles dias que fogem do comum. Que me sacodem de uma rotina que eu nem sabia que tinha. Bem-vindos a esse país lindo e louco chamado Mongólia.

A Mongólia não é para frescos

Já no primeiro dia na kombosa eu pedi pra ir na frente, e prontamente fui atendida. Legal, subi meio desajeitada por ainda estar com a mão direita enfaixada, me acomodei, levei o braço esquerdo pra puxar o cinto de segurança e.. “Doesn’t work! Hahaha It is oooonly for the pooolice”. Interessante ponto de vista.

Engenharia 

Começa a chover. Dessas chuvas de deserto que não duram muito. Nosso motorista começa a, ao mesmo tempo em que está dirigindo, tentar conectar um cabo. Tenta daqui, não dá certo, para, tenta de novo, volta as duas mãos pro volante. “Pra que ele está fazendo isso?”, e rimos. Ele estava tentando ligar o pára-brisas. 

Sutiã é importante 

Eu diria que um 80% da viagem é off road. Off road dos brabos. O que você mais faz é quicar umas 6 horas por dia. Até quem tem o peito pequeno e durinho – sem querer me gabar, mas tipo eu –  fica com a impressão que no final da viagem ele vai chegar no joelho.

It iiiis pooosible

Eu apelidei o role de montanha mongol – tipo uma montanha russa, mas na Mongólia. Eu, que quase sempre ia no banco da frente, vivi fortes emoções nas descidas e subidas super inclinadas, isso quando não achava que o carro ia virar de lado. Em uma das descidas, quase 90 graus, eu olhei, analisei rapidamente e, crédula, falei “It is imposible, guys”. Eles riram: “It iiis pooosible”. Depois dessa eu passei a acreditar que tudo seria possível com a kombosa russa.

Engenharia 2

Faltando 3 dias pra acabar nosso tour, mais um malabarismo. Enquanto uma mão estava no volante, a outra estava tentando parafusar o retrovisor. Sem sucesso, nosso guia começou a ajudar o chofer. Com aquela estrada terrível, e o carro quicando, era impossível parafusar qualquer coisa. Mishka, nosso chofer, resolve frear. Os dois juntos parafusam, reforçam, testam. Retrovisor no lugar. Excelente! Acelera, Ayrton! Não demoram 10 minutos. O retrovisor cai. Seguimos assim mesmo. Pelo resto da viagem.

Retrovisor pra quê, né?

Loucos por Naadam

Nesse mesmo dia nosso chofer resolveu encher a cara de cerveja de manhã durante um festival local, o Naadam. Ele estava tão empolgado que a única palavra que ele falava desde que acordou era “Naadam, Naadam, Naadam!”. Depois de um cochilo e muito esporro nosso, seguimos estrada.

Se eu achei que já tinha quicado o popô antes, eu não tinha ideia do que vinha esse dia. Nós literalmente voamos na estrada desértica. Claro, com algumas paradas pra jogar uma água na cara do Mishka pra ele dar uma acordada. Num desses stops eu peguei o danado virando uma cerveja quente escondido de todo mundo – acho que pra ver se dava uma animada.

Ele nunca deve ter levado tanto esporro na vida. Todos os dias até então tomamos vodka no jantar. Nesse dia Mishka não bebeu. Aliás, nunca mais ele bebeu perto da gente. 

Shit!

Acampar ou parar pra um piquenique no meio de bostas secas de vaca é uma coisa normal. Nós até comentamos (na segunda vez, porque na primeira a gente levou um tempo pra processar que aquilo realmente estava pra acontecer) que talvez fosse melhor parar em outro lugar, mas o Samy não entendeu muito bem a razão e riu da nossa frescura. Enquanto isso, nosso chofer se aconchegou em meio ao bosteiral pra tirar um cochilo. 

Já tínhamos feito uma limpeza básica, mas ainda dá pra ver umas bostinhas perdidas pela foto…

Machine

Foram 8 dias praticamente vivendo dentro da kombosa. Nosso chofer não falava nada de inglês. Nessa mais de uma semana nos comunicamos a base de “super nice”, “party”, “good”, “vodka”, “naadam” e “machine” – mas esse último é como se diz carro aqui na Mongólia. Levamos uns dias pra saber isso, mas, claro, sempre entendemos o que ele queria dizer. Ao menos uma palavra mongol que não é impossível de entender.

Chuva de verão 

O clima é bastante instável no verão. Vários días decidimos dormir em yurts com medo da chuva e acabava sendo uma noite linda. No dia em que resolvemos acampar choveu e ventou tanto que ficamos com medo da barraca voar com a gente dentro. Sem falar que a barraca era, em teoria, a prova d’água. Em teoria.

Pata de camelo

Aliás, medo não foi algo incomum. Nesse dia de camping, assim que chegamos saí para procurar uma moitinha pra fazer xixi. No caminho quase pisei em uma parada estranha, e quando me abaixei pra ver o que era… eram os restos do pé de um animal, ainda com um pouco de carne e pelo em volta do osso. Dei uma espiada ao meu redor, parecia não haver nenhum animal mais. Abaixei, fiz xixi rapidinho e voltei correndo pra perto do grupo. Perguntei pro Samy que bicho poderia ser, e chegamos à conclusão de que era o pé de um camelo.

“Que outro animal poderia matar e comer um camelo, Samy?!”. Ele disse que devem ter sido os cachorros da vila próxima dali. A gente fingiu que acreditou. Antes de anoitecer eu já estava escondidinha dentro da minha barraca, de onde só saí com o dia claro.

A tranquilidade de quem vai dormir no meio do nada

Mongólia inóspita 

“Samy, quanto falta pra chegar na próxima vila?”, perguntei impaciente por não aguentar quicar mais. “Só 20km”. Olhei o relógio, eram 16:30. Conferi o marcador do carro, estávamos a 40 km/h. Fiz as contas – em meia horinha estaríamos lá. Já quase batendo 18:00 Samy fala meio apreensivo “a vila já é logo atrás dessa montanha!”. Nunca subi uma montanha que escondesse tantas outras. Quanto mais o carro avançava, mais longe parecíamos estar. 

Banho pra quê?

Com alguma insistência conseguimos uma segunda parada para banho no quinto dia de viagem. Em uma vila de mais ou menos 2.000 moradores. Quando eu já ia saindo do banheiro, vi um cara esperando para entrar, e ele tinha cara de mongol. Perguntei ao nosso guia se ele era, e diante da confirmação quis saber por que ele estava esperando pra tomar banho ali. Talvez também estivesse fazendo esse tour?

“Não! Ele mora aqui. Os moradores dessa vila não têm ducha em casa, entāo de vez em quando vêm tomar banho aqui. Existe muito pouca água nessa região”. Esse também foi o primeiro banho do Samy durante a viagem. Nosso motorista continuou sem banho até voltarmos pra capital. 

Banho pra quê? 2

“Samy, os nômades nunca tomam banho?”, perguntei depois de ver que nenhuma yurt tinha água corrente, ou qualquer coisa próxima disso. Aprendi que eles tomam banho a cada 30 ou 40 dias, ou talvez mais, quando vão nas vilas próximas e aproveitam os banheiros públicos – que nós também usamos por duas vezes durante o role. O segredo pra eles nunca terem mau cheiro? Todos os dias lavar o sovaco de manhã cedo com água bem gelada. Se é verdade eu não sei. Mas não contive minha curiosidade.

Me apaixonei por alguns dos nômades que nos receberam com tanto carinho!

Shit! 2

Aliás, na Mongólia existem 4 tipos de banheiro. O pior é com um buraco no chão e uma madeira onde você se segura na hora de agachar, quase sempre sem porta – bastante comum. Também tem aqueles tipo de chinês, onde tem porta e você se agacha pois o sanitário é no chão, mas sem ter onde se apoiar a não ser a parede – esse é o que eles chamam de “banheiro normal”. Eu sempre rezava pra encontrar os que tinham o sanitário pra sentar, mesmo que embaixo dele fosse um buraco sem fim, sem água corrente – meio tenso, mas mais parecido com o nosso. Já esses com sanitário pra sentar + descarga com água corrente é coisa rara por aqui – em toda a viagem só vi uma vez fora da capital.

Shit! 3

Nossa última noite foi, digamos, a menos cômoda. Escolhemos dormir em uma yurt pra evitar que o vento nos levasse com barraca e tudo como tinha acontecido no acampamento anterior. No caminho eu pedi, quase implorei, pro Samy: “É nossa última noite! Será que conseguimos uma yurt com um banheiro mais decente?”. A resposta dele deixou a gente meio mudo. “Hummm acho que já tem banheiro construído onde iremos dormir”. 

Foi o pior banheiro de toda a viagem. Não dá pra chamar de banheiro. Eram duas tábuas pra você pisar e fazer as necessidades. Quando você se levantava, todo mundo via sua bunda, porque as paredes eram muito baixas. Em um dado momento da viagem você já não está mais se importando, só pensa que em menos de 24 horas já estará na capital. Ter a companhia de cabras e ovelhas enquanto faz xixi passa a ser engraçado. 

O ganhador do prêmio de melhor banheiro da viagem #sqn

Companhia de sapos também 

Enquanto ainda estava de dia, eu deitei um pouco pra descansar nessa última yurt da viagem. Estava morta depois de sete dias viajando de carro o dia inteiro por estradas péssimas. Até que vi um sapo! Dentro do quarto. E mais um. E mais outro! “Socorro, Samyyy”! Ele tirou todos do quarto pra mim. Fechamos a porta.

À noite, antes de dormir, vi que as paredes tinham buracos na parte de baixo, perto do chão, por onde entravam os sapos. E também mosquitos. E outros pequenos bichos que voam. Eu me tampei inteira com o lençol. Foquei no cansaço. E consegui dormir.

Com emoção ou sem emoção?

No último dia da viagem todos concordaram em acordar mais cedo, às 7 da manhã – um milagre, já que Mishka e Samy sempre queriam levantar depois das 9. Nosso motorista parecia ter bastante pressa para chegar à civilização (talvez desesperado pra tomar um banho?) e faltando apenas 100km pra chegar na capital, ele passou voando por um buraco e furou um dos pneus. Já estávamos nos poucos 20% de asfalto da viagem. Um sol daqueles na cuca. Eu com certeza estava ansiando mais por um banho que ele naquele momento. 

No fim das contas não foi possível consertar o pneu do carro, e fomos dirigindo a 40km/h até encontrar um mecânico.

Safety first 

Enquanto os dois tentavam consertar o pneu, Samy entrou no carro, enfiou a cabeça embaixo de um dos bancos e começou a procurar algo. Saiu dali com um cinto de segurança na mão – que existia, mas não estava instalado para os passageiros. 

E daí?

A Mongólia realmente não é para os frescos. E é uma oportunidade única você viver esse país de verdade. E daí que os banheiros são meio, ou muito, esquisitos? É o que a galera ali usa! Qual o problema de você não tomar banho todos dias? Você tem o resto da vida pra fazer isso. Falta de higiene? Ninguém do meu grupo passou mal. Dá-lhe lenço umedecido pra tentar manter tudo limpo!

Não desista da Mongólia por tudo que eu contei. Sem ver isso de perto você não conhece o país de verdade, você só passa por pontos turísticos – experiências completamente diferentes. A maioria dos relatos aqui foram os responsáveis por nos arrancar as maiores gargalhadas dessa viagem! Eu amei a Mongólia. Eu amei cada minuto. E eu ainda vou voltar aqui. 

Esse foi o nosso grupo: dois alemães, dois mongóis, uma brasileira, uma kombi russa e, claro, os animais

Essa parada na Mongólia é parte de uma viagem de 2 meses e meio que estou fazendo sozinha, começando na Rússia e sem saber ainda exatamente onde vou terminar. Se você já esteve na Mongólia, me conta aqui embaixo se você se identificou com esse artigo!

Veja aqui dicas de hospedagem na Mongólia!

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