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Diários da Pandemia: Coronavírus na África do Sul pelo relato do Kris

África do Sul

Diários da Pandemia: Coronavírus na África do Sul pelo relato do Kris

A África do Sul, que vinha num histórico positivo de combate ao Covid-19 até meados de Junho, se tornou neste último fim-de-semana o quinto país do mundo com mais infectados pelo novo coronavírus. Portanto está atrás apenas dos Estados Unidos, Brasil, Índia e Rússia.

Na última semana, a filha caçula do ex presidente Nelson Mandela foi mais uma entre as tantas vítimas. Ela deu positivo para coronavírus e veio a falecer no mesmo dia em um hospital de Joanesburgo. Dois ministros do país também se encontram hospitalizados após contrair o vírus.

O país africano impôs algumas duras medidas para desacelerar a propagação do vírus, como por exemplo a proibição de vender álcool e cigarros em todo o país. E foi depois de um relaxamento na venda de bebidas alcóolicas que os números dispararam.

Hoje temos o relato do Kris, sul africano que conheci quando visitei o país. Mas uma curiosidade rápida antes de prosseguir: quando eu estava para visitar a África do Sul, um amigo brasileiro comentou que tinha um grande amigo lá e que poderia me ajudar no que precisasse. Me deu o Whatsapp dele e começamos a conversar. E do nada o Kris me pergunta “peraí, você é a blogueira que escreveu as 77 dicas do Rio de Janeiro? Quando estive aí, traduzi seu post pra inglês e usei como meu guia pra conhecer a cidade! Dicas sensacionais!”. Que coincidência!

Quem é o Kris

Olá leitores 🙂 Meu nome é Kris, sou um cara da África do Sul que gosta de atividades ao ar livre e coisas simples da vida. Adoro viajar, principalmente nos países em desenvolvimento.

Nasci e cresci em Durban, que fica na costa leste da África do Sul – a costa leste é o lado da água quente no Oceano Índico. Eu moro na Cidade do Cabo desde 2004, que fica na costa oeste e tem o congelante Oceano Atlântico! É uma cidade absolutamente linda. Eu moro com minha namorada Fernanda, que é do Brasil.

Gosto de correr e praticar ioga e trabalho como Engenheiro de Transporte. Em 2018, tive a oportunidade de fazer uma viagem sabática e de mochila nas costas na América do Sul e na Ásia por 7 meses. Fernanda também adora viajar. Ela deixou o Brasil em 2014 e viajou pelo mundo por um ano e depois se estabeleceu aqui na África do Sul.

Evolução do coronavírus na África do Sul

  • 5 de Março: primeiro caso de Covid-19 confirmado na África do Sul
  • 15 de Março: Pandemia mundial declarada – restrições de viagens impostas, encontros limitados
  • 26 de Março: Bloqueio Nacional de Nível 5 – confinamento estrito, somente trabalhadores essenciais têm permissão para trabalhar, outras pessoas podem sair para supermercado ou comprar remédios (durou 5 semanas)
  • 1 de Maio: Bloqueio de Nível 4 – certas atividades econômicas permitidas (construção, entrega de alimentos, serviços financeiros por exemplo), atividades ao ar livre permitido das 6h às 9h, obrigatório o uso de máscaras
  • 1 de Junho: Bloqueio de Nível 3 – menos restritivo (ainda em andamento)

Taxas de infecção na África do Sul

A África do Sul se saiu melhor do que outros países de tamanho populacional semelhante até o final de Junho. Acredita-se que as medidas de confinamento sul-africanas impostas pelo governo tenham sido uma das mais rigorosas e abrangentes do mundo. Isso certamente contribuiu para a baixa taxa de infecção que ocorreu até o final do mês passado.

A África do Sul tem uma população HIV positiva muito grande. Por isso um extenso sistema de trabalhadores da Saúde de base comunitária foi desenvolvido nos últimos 20 anos para lidar com o tratamento dessa doença. Essa rede de profissionais tem sido crítica na conscientização, teste e prevenção da disseminação do Covid-19.

No entanto, desde o início de Julho a taxa de infecção aumentou significativamente no país, variando entre 10 mil a 15 mil novas infecções por dia.

Linha do tempo do confinamento na África do Sul

Agora estamos com mais de 100 dias de “prisão”! Como a maioria das pessoas em todo o mundo, passamos pelas fases de descrença de que algo assim estava acontecendo. Depois uma aceitação e uma luta para se ajustar às restrições do bloqueio e ao impacto em nossas vidas pessoais, nosso movimento e liberdade e a capacidade de trabalhar, se exercitar, fazer compras, aprender, viajar.

Março e Abril

As primeiras cinco semanas, de 26 de Março a Abril, foram extremamente restritivas. Vivemos em um pequeno apartamento em uma área chamada Sea Point na Cidade do Cabo. Do outro lado da rua do nosso prédio está o Oceano Atlântico e um longo calçadão – adorável para belos passeios vendo o pôr do sol sobre o mar. Normalmente não passamos muito tempo em casa, pois geralmente estamos no trabalho, fazendo exercícios e curtindo ao ar livre. Portanto, foi um grande ajuste ficar o dia inteiro em um espaço pequeno!

Estávamos autorizados a sair de casa para ir ao supermercado e farmácias. Só que os supermercados estavam caóticos na semana anterior ao lockdown e durante a primeira semana – as pessoas estavam em pânico estocando mantimentos e havia uma sensação geral de tensão e medo. As coisas se acalmaram depois de um tempo, quando o presidente garantiu que não haveria escassez de alimentos nem nada do tipo.

Para evitar sair com muita frequência, íamos apenas uma vez por semana e comprávamos muito mais do que o normal, pois estávamos cozinhando todas as refeições em casa. Tornou-se um evento ir ao supermercado, uma grande aventura! Além disso, algumas vezes por dia, íamos ao estacionamento do prédio e aproveitávamos o sol e nos movimentávamos “fora” de casa.

Maio

Já o mês de Maio nos levou ao Nível 4, onde os exercícios físicos ao ar livre ficaram permitidos entre 6h e 9h e era obrigatório o uso de máscaras. Porém o sol nasce às 7h30 da manhã na Cidade do Cabo no Inverno, então a maioria das pessoas só saía entre 8h e 9h. Durante esse período, portanto, ficava cheio de pessoas! Às 9h em ponto a polícia se aproximava e dizia para todos voltarem para suas casas.

Nos primeiros dias eram poucos os que usavam máscaras, mas com o passar do tempo, mais pessoas cumpriram a obrigatoriedade e hoje em dia quase todo mundo usa essa proteção.

Além do período matinal permitido para exercícios ao ar livre, Maio não foi muito diferente de Abril para nós.

Junho

O mês de Junho nos levou ao Nível 3, com ruas muito mais movimentadas com pessoas e tráfego. E mesmo assim o governo anunciou ainda mais relaxamentos para permitir a abertura da economia.

Julho

Há uma semana, em 12 de julho, o Presidente anunciou um reforço das restrições em resposta ao aumento da taxa de infecção das últimas semanas.

Política e Economia na África do Sul

A África do Sul é um dos países mais desiguais do mundo – junto com a Índia e o Brasil. A pandemia aumenta dolorosamente essa lacuna – a experiência de confinamento de pessoas privilegiadas é completamente diferente de uma pessoa desprivilegiada. Alguém por exemplo que tem uma casa confortável, comida na mesa e dinheiro na conta tem uma experiência diferente de uma família que mora num barraco, com comida apenas por um dia, sem dinheiro e sem possibilidade de ganhar mais.

As alianças políticas também são vastas e variadas, bem como nossas diversas origens culturais. Dentro deste caldeirão no extremo sul da África, é muito fácil politizar questões ainda menores. Houve amplo apoio aos esforços do governo para conter o vírus. No entanto, existem alguns casos em que os políticos usam esse tempo para semear a divisão política, usando a pandemia como futebol.

Economia x Saúde

Tudo se resume a economia versus saúde. Encerrar a interação social e a economia era muito necessário para conter a propagação do vírus e permitir ao governo capacitar o sistema de Saúde para o aumento de casos. No entanto, esse desligamento econômico não pôde durar para sempre – teve que parar antes que a economia fosse severamente prejudicada.

A África do Sul já estava em recessão antes da pandemia. Em Abril já havia indicações de como o confinamento agravava a situação econômica. Havia mais moradores de rua, enormes perdas de empregos, inquilinos não pagavam aluguel, empresas sofriam.

Então o governo anunciou um “plano de estímulo” para ajudar na recuperação econômica em Maio.

Álcool e cigarros proibidos

Uma questão importante para muitos sul-africanos foi a proibição de álcool e cigarro em todo o país. O álcool foi proibido desde Março até Junho. Como resultado, as salas de emergência dos hospitais não estavam lotadas, um efeito normalmente causado pelo vínculo entre álcool e crimes violentos.

Porém, quando as vendas de álcool recomeçaram em Junho, as salas de emergência se encheram de novo. Isso colocou uma enorme pressão sobre o sistema de Saúde, uma vez que os recursos tiveram que ser desviados para lidar com lesões relacionadas ao álcool. Em 12 de Julho o Presidente restabeleceu a proibição do álcool.

As vendas de cigarros ainda são proibidas – os fumantes estão realmente chateados e a indústria do tabaco está levando o governo aos tribunais. Essa decisão teria sido tomada pois o tabaco piora doenças respiratórias.

Leia mais sobre essa proibição na África do Sul

Exercícios físicos

Como eu disse, gostamos de passar muito tempo ao ar livre. Nós sempre fazemos corridas ou caminhadas no calçadão próximo ao mar. Em Abril, já que não foi possível, adaptamos nossa rotina de condicionamento físico dentro do edifício. Tínhamos portanto que ser mais criativos pulando cordas, correndo pelo estacionamento do prédio e usando pesos em casa para o treinamento de força.

Por mais tentador que fosse dormir todas as manhãs, começávamos a rotina de acordar cedo e fazer alguns exercícios todos os dias. O confinamento também nos deu a oportunidade de aprofundar a prática de yoga, e comecei a orientar aulas virtuais semanais com nossos amigos e familiares.

Mais tempo na cozinha

É claro que, assim como o resto do mundo, estamos cozinhando muito. Também fizemos muitos experimentos com novas receitas, experimentando receitas favoritas antigas, assando pão e sendo criativos na cozinha.

Socialização

Socializar e ver amigos e familiares assumiu uma nova dimensão com reuniões on-line e videochamadas para se conectar e conversar. Também se abriu a oportunidade de me reconectar com velhos amigos.

Minha situação de trabalho

Na semana anterior ao confinamento, meu empregador permitiu que trabalhássemos em casa e a infraestrutura de TI foi implementada para dar suporte ao trabalho remoto. Sou engenheiro envolvido no planejamento e design de um projeto de infraestrutura de transporte. O trabalho de planejamento e design continuou inalterado. O método de reuniões on-line e o trabalho via comunicação eletrônica funcionou surpreendentemente bem. Os projetos de construção foram interrompidos no bloqueio do Nível 5 e recomeçaram com algumas restrições em Maio.

A maioria dos sul-africanos que trabalham em casa reclamam que estão trabalhando mais horas. De acordo com eles, parece haver um aumento na produtividade e na carga de trabalho. Minha opinião é que a flexibilidade que agora se tem com essa nova estrutura dos dias úteis significa que trabalhamos horas diferentes do regime habitual, que antes era rigorosamente das 8h às 17h. É preciso levar em conta que existem prós e contras nesse novo cenário.

Trabalho da Fernanda

A Fernanda trabalha para uma empresa de Turismo captando novos clientes espanhóis e brasileiros, mas esse foi o setor mais afetado no mundo. E sua empresa, assim como a maioria das empresas de Turismo na África do Sul, fechou temporariamente. Não se sabe quando as fronteiras serão abertas novamente. Muitos clientes que viajariam esse ano adiaram os planos para 2021.

Repatriamento do Brasil

Há muitos brasileiros na África do Sul (turistas de férias, gente estudando inglês aqui, pesquisadores). Mesmo antes do início do confinamento na África do Sul, alguns países de conexão (como Angola nos vôos da TAAG) fecharam suas fronteiras. Outras companhias aéreas que conectam os dois países, como a SAA e a LATAM, também pararam de voar. Portanto muitos vôos foram cancelados entre a África do Sul e o Brasil, o que resultou em muitos brasileiros presos sem ter como volta para casa.

O Consulado organizou um vôo de repatriamento para São Paulo no dia 06 de Abril para 364 brasileiros. Desde então, houve outros vôos organizados de maneira privada para levar mais pessoas de volta para casa.

África do Sul x Brasil

Preparei um comparativo da situação do Brasil e da África do Sul no dia 18 de Julho de 2020, quando terminei esse relato. Percebe-se que os casos de infecção e morte por coronavírus estão mais acelerados aqui que no Brasil.


BrasilÁfrica do Sul
População210.000.00058.000.000
Casos2.074.860350.879
% de Pessoas Infectadas0,99 %0,6 %
Mortes78.7724.948
Índice de Mortalidade3,8 %1,41 %

Coronavírus na África do Sul hoje

Hoje, dia 22/07, a África do Sul tem 381.798 pessoas infectadas, das quais 208.144 se recuperaram, e 5.368 mortes por Covid-19.

Como mencionei no início do post, infelizmente a pandemia do coronavírus vem ganhando cada vez mais velocidade na África. O continente registrou sua semana com maior número de novos casos, de acordo com a OMS. O relatório mostra que o período entre 14 e 20 de Julho foi o recordista em número de novos casos positivos na região desde o início da pandemia: 119.648, elevando o total de contaminados para 736.214. A África do Sul sozinha contabilizou mais de 75% dos casos.

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